Já não se aprende pelos manuais

Não se trata de uma notícia, pois há muito que se sabe da intenção e até mesmo do plano de implementação. O estabelecimento de aprendizagem, escola básica e secundária de Carcavelos, aboliu os manuais escolares e daí que, 1600 alunos, do 5º ao 11º ano, têm no tablet um recurso tão importante como o papel e a caneta. Os manuais escolares desapareceram da lista de material obrigatório. Os professores usam tudo o que tenha suporte digital. (Fonte: Expresso)

11,5 kg de livros e cadernos (6º ano). Para quê?
Os especialistas dizem que as crianças não devem transportar
mais de 10% do peso corporal.
Desde há muito que abordo a existência de manuais escolares. Recorrentemente, tenho questionado para que servem, neste tempo que a todo o momento a tecnologia nos envolve. Os manuais apenas continuam a alimentar o lóbi das editoras ao mesmo tempo que agravam a vida das famílias. Presume-se que atinja os 170 milhões de euros o que as famílias gastam em material escolar. Em média, dependendo, obviamente, do ano de escolaridade, as famílias desembolsam entre 200 e 400,00 euros em material escolar, que incluem os manuais.

E nesta loucura entra o governo da República (boa iniciativa foi aquela designada por "Magalhães") que os disponibiliza e as autarquias que se "guerreiam" no sentido de se afirmarem junto das populações, enquanto competição, pelo título de quem mais facilita a vida das famílias.

Neste preciso momento acabo de colocar, no motor de busca Google, a palavra "rochas". Em cerca de 0,49 segundos surgiram-me 288 000 000 de resultados. A seguir limitei a consulta a "tipos de rochas". Em 0,39 segundos surgiram 1.510.000 hipóteses de consulta. Para quê o manual? Nova consulta: Geografia 8º ano. Em 0,31 segundos surgiram-me 50.200.000 possibilidades de consulta sobre os mais variados temas. Para quê o manual? À distância de um clique está lá tudo, deste os famigerados programas, aos actos pedagógicos, fichas, tudo o que quisermos. Basta orientar a escolha e que o professor seja o mediador da aprendizagem.

Como já alguém referiu o mais difícil é fazer calar os professores. Eles são portadores de uma vivência enquanto estudantes, sentados, obedientes e seguidores do manual, porque existe uma hierarquia política que não lhes confere margem para uma profunda inovação pedagógica, estão subordinados a um programa que tem de ser transmitido e metido à força porque existe a cultura dos exames, porque estão presos ao sistema de avaliação de desempenho, portanto, torna-se mais fácil seguir a norma, o livrinho, página a página, sobretudo o que fica definido na reunião dos delegados de disciplina. Pesquisar, investigar, desenvolver pensamento, elaborar sínteses e saber explicar são aspectos que o sistema experimenta dificuldades em aceitar. 

Ora bem, hoje, escola onde o professor fala, consecutivamente, que torna os alunos passivos, que vive obcecadamente a avaliação, é uma escola sem futuro. Carcavelos há muito percebeu isso e a Associação de Pais da escola pôs-se a caminho negociando e conseguindo tablet's a um preço vantajoso de, aproximadamente, € 200,00, muito abaixo do que gastariam com os manuais. Com a vantagem de servirem para vários anos. E o governo ajuda.

Mas o exemplo daquela escola, do meu ponto de vista, constitui apenas um primeiro passo. No plano pedagógico há muito caminho a percorrer. Por exemplo, a não existência de disciplinas sectoriais. Uma ou outra, pela sua natureza, convenhamos, pode ser individualizada, porém, a esmagadora maioria deve estar presente, de forma transversal, através do estudo por "fenómenos complexos". Um exemplo: ao estudar o vinho, pode-se estudar a Geografia em várias áreas, a História, a Agricultura, a Química, o Português, a indústria vidreira, a indústria da cortiça, a Economia em múltiplas dimensões, eu sei lá o que uma só palavra "vinho" pode espoletar? (pesquisa na net  - cerca de 143 000 000 resultados em 0,56 segundos, sobre a palavra vinho.

Tenhamos presente que a vida pede-nos conhecimento integrado e não individualizado. Da mesma forma que nos pede trabalho em equipa e não trabalho individual. Há, portanto, um longo caminho a desbravar no sentido de uma aprendizagem que não se limite a decorar para esquecer. Ignorar os meios tecnológicos, quando devidamente orientados, é, assim, de uma ignorância sem limites. Dá mais trabalho aos professores, obviamente que sim, mas os resultados são melhores. Há que deixar os jovens "meterem a mão na massa" do que serem agentes passivos daquilo que dizem ser aprendizagem.

O problema é que por aqui, há dias, li uma declaração do senhor presidente do governo, enaltecendo a intenção de, no próximo ano, uma determinada escola sensibilizar para a "robotização". Isto é o que se designa por "andar com o carro à frente dos bois". Mas explica também, na esteira de Alice, que quando não se sabe para onde se caminha, qualquer um serve! E porquê? Porque há patamares que não podem nem devem ser ultrapassados. A preocupação do governo não deve ser a "robotização", mas a "transformação graduada", enquanto um dos princípios do desenvolvimento, aquele que estrutura os instrumentos que conduzem ao aprender a desaprender. Necessário se torna, primeiro, quebrar as amarras de uma pseudo-aprendizagem, que leva alguns anos, para depois partir, com absoluta naturalidade para novos patamares do conhecimento. Enquanto isso não acontecer, a "robotização" constitui areia para os olhos. Como está a ser o Brava Valley!
Ilustração: Arquivo próprio.
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