Os primeiros autocarros da Madeira

A população madeirense vê pela primeira vez um automóvel em Janeiro de 1904, quando o inglês Henry Harvey Foster visita a ilha acompanhado pela família. Tratava-se de um Wolseley  de 10 h.p. “Tonneau”  e permaneceu na ilha até Maio desse ano.

Passados três anos, a 23 de Novembro de 1907, chegou ao Funchal a bordo do vapor "Insulano" procedente de Lisboa, o primeiro automóvel, comprado pela Empreza Madeirense de Automóveis.

Tratava-se de um De Dion Bouton de 6 lugares. No dia 24 fez experiências nas ruas da cidade. (referência - Diário de Notícias 25-11-1907)

 Wolseley  de 10 h.p. de Harvey Foster em 1904 (foto Museu Vicentes)

De Dion Bouton, da Empreza Madeirense de Automóveis, em 1907 na Estrada Monumental
(foto Jacinto Bettencourt)

Os primeiros autocarros

A 14 de Abril de 1908, a bordo do vapor “Insulano” chegou um novo veículo de origem francesa, marca Richard Brasier 24 x 30 HP, destinado à Empreza Madeirense de Automóveis.

No dia seguinte foi submetido a despacho alfandegário para o respectivo exame (inspecção).

Este autocarro Brasier - assim considerado por ter uma lotação de 10 passageiros mais o motorista - fez algumas experiências a fim de regular o funcionamento do motor e mecanismo dos travões.

De manhã subiu a Calçada de Santa Clara. De tarde saiu da garagem na Rua dos Aranhas, passou a Rua da Carreira, subiu a Rua da Mouraria, Calçada de Santa Clara, Calçada do Pico, Caminho da Achada, Muro da Coelha, descendo depois para as Madalenas, Caminho de Santo António, Rua das Maravilhas, Cabouqueira, Ilhéus, Rua do Favilla, Estada Monumental até à igreja de Câmara de Lobos, no total de 1 hora. O regresso directo à Rua dos Aranhas foi feito em 22 minutos.

Este carro era destinado às viagens para São Martinho, Santo António, São Gonçalo e Câmara de Lobos.

(referências Diário Popular 15 e 16-04-1908)
Desenho à escala do Richard Brasier matrícula 3-M
Desenho do Richard Brasier matrícula 3-M com aplicação do toldo de protecção dos passageiros

Um mês depois a 14 de Maio de 1908, também no vapor “Insulano” chegou o segundo Brasier 24 x 36 HP de 11 lugares, da Empreza Madeirense de Automóveis.
Além do novo autocarro, vieram grande número de sobressalentes para que a empresa mantenha os serviços sempre operacionais.

O autocarro e restante material saíram da alfândega no dia seguinte.
(referência Diário Popular 15 e 16-05-1908)

No dia 16 de Maio de 1908 - Iniciou-se pelas 15h12 a experiência oficial com o segundo Brasier, que foi o 7º automóvel da Madeira, da Empreza Madeirense de Automóveis.

Esta experiência foi avaliada pelos Comendadores Adriano Trigo e Aníbal Trigo, engenheiros das Obras Públicas. O carro saiu da garagem na Rua dos Aranhas e foi até à igreja de Câmara de Lobos em 20 minutos. Nesta viagem seguiam, além dos dois engenheiros, os senhores: Conselheiro Manuel José Vieira, Dr. Pedro José Lomelino, A. Antunes, conductor de obras públicas, Engenheiro Baezely, Luíz Pedro de Sousa Pereira, J.P.Gordon, e ainda Francisco Bento de Gouvêa e Manuel de Perestrello Favilla Vieira, da direcção da empresa.

A viagem começou oficialmente na Entrada da Cidade (actual Cais da Cidade) às 15h20, seguiu pela Praça da Constituição, Largo da Sé, Rua João Tavira, Rua da Carreira, Largo do Ribeiro Real, Rua 5 de Junho, Rua dos Aranhas, Rua das Angustias, Rua da Imperatriz, Estrada Monumental até igreja de Câmara de Lobos onde ficou alguns minutos. O regresso foi novamente pela Estrada Monumental, Rua da Imperatriz, Rua das Angustias, Ribeira de São João, Rua da Carreira, Largo Ribeiro Real e garagem na Rua dos Aranhas, onde chegou precisamente às 16h18m, isto é percurso de ida e volta em 58 minutos. Notar que à época já se cronometravam percursos.

O carro provou satisfazer os clientes mais exigentes.
(referência Diário Popular 17-05-1908)
Reconstrução digital do que teria sido o mini autocarro Richard Brasier, de matrícula 4-M (© Eugénio Santos)

Estes veículos poderão ser considerados os primeiros mini autocarros da Madeira, tendo vindo de fábrica já preparados para o transporte colectivo de passageiros.
Só em 1912 receberam as matrículas oficias 3-M e 4-M, ano em que entrou em vigor um novo regulamento automóvel na Madeira.
O Brasier de matrícula 3-M manteve-se ao serviço até Setembro de 1943, altura em que foi cancelado o registo e provavelmente abatido para sucata.
O irmão deste, 4-M em Janeiro de 1918 foi vendido à empresa lisboeta P. Fernandez Auto, Lda. Mudou ainda de proprietário quatro vezes até 1923. Foi posteriormente abatido ao serviço.

Com excepção destes dois, os restantes autocarros até à década de 50 do Séc. XX, chegavam à Madeira em forma de camião ou chassis com motor.
A carroçaria para o transporte de passageiros era construída em oficinas especializadas.
As primeiras carroçarias fabricadas na ilha denotam uma clara influência das carroças e charretes traccionadas por cavalos.
As oficinas existentes converteram-se ao novo meio de locomoção, usando no entanto as anteriores técnicas e materiais.
Até 1939, quando eclodiu a II Grande Guerra, as marcas americanas tais como a Chevrolet, a Dodge e a Ford, dominavam o panorama dos autocarros na Madeira.

* Textos escritos conforme Acordo Ortográfico de 1945 
Eugénio Santos - Novembro 2018
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