A primeira maneira de transportar objectos é utilizar a força do corpo
humano para esse efeito. Desde tempos imemoriais, o homem primitivo usou
a sua força para carregar pedras, e troncos de árvores. As bases das
civilizações assentam nos materiais que a Natureza deu ao Homem
associadas à sua capacidade criativa e técnica. Assim sendo,
consideramos o ser humano como o primeiro meio de transporte.
No caso concreto do arquipélago da Madeira, foram usados
os transportes marítimos disponíveis à época - Século XV - nomeadamente
barcas, barinéis e caravelas numa primeira fase e posteriormente naus e
carracas (navios de maior porte). As ilhas da Madeira e o Porto Santo
estão desde a sua descoberta oficial e povoamento, dependentes do transporte
marítimo. As características geológicas da ilha Madeira, com um relevo
bastante acentuado, com altas montanhas e vales profundos, fizeram com
que o barco a remos e à vela (nas suas diversas formas e dimensões)
fosse o transporte de eleição para as ligações entre as principais
localidades costeiras: Funchal, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do
Sol, Calheta, Porto Moniz, São Vicente, Ponta Delgada, Porto da Cruz,
Machico e Santa Cruz.
Imagem digital recriando uma caravela junto à costa da ilha da Madeira no Séc. XV (Eugénio Santos)
Ilustrações de Max Römer mostrando antigas embarcações costeiras - modelos que se mantiveram quase inalterados geração após geração ao longo de quatro séculos.
Desde 1419 até 1819 foi-se desenvolvendo a chamada navegação de
cabotagem a nível regional. Os passageiros e carga podiam depois
embarcar no Funchal em navios maiores rumo a destinos mais longínquos,
quer na Europa, África, América e até mesmo na Ásia.
Conjunto de ilustrações de navios da autoria de Telmo Gomes, retratando a
sua evolução entre os Séculos XV e XIX. Caravela de Pano Redondo (Séc.
XV), Caravela Redonda do tempo do reinado de D.Manuel (Séc. XV), Grande
Nau Portuguesa (Séc. XVI), Nau "Flor de la Mar" (Séc. XVI), Corveta
Portuguesa de 26 peças (Séc. XVII), Nau Portuguesa de 76 peças (Séc.
XVIII), Barca "Pêro de Alenquer" (Séc. XIX).
Nos transportes terrestres, as tipologias introduzidas e utilizadas nas ilhas, mantiveram-se quase inalteradas durante 400 anos. Pela força humana tivemos o palanquim, a rede e a corsa. Foram também utilizados animais para montar e traccionar veículos, sendo exemplo cavalos, muares e burros e exclusivamente para traccionar como foi o caso dos bois. No conjunto de veículos traccionados temos a corsa, o corsão, o carro de bois (versão com rodas e versão trenó de arrasto), as carroças e seus derivados tais como trens, charretes e caleches.
A abertura de novos caminhos e estradas foi um trabalho árduo, do nascer ao pôr do sol, com recurso a pouco mais que pás e picaretas. Até ao aparecimento dos transportes mecanizados, a força humana foi factor crucial na movimentação de pessoas e mercadorias e ainda na construção da rede viária. Antes da implantação da República, a rede de acessos terrestres conhecida por Caminhos Reais cruzava a ilha da Madeira em todas as direcções, funcionando como alternativa e complemento às ligações marítimas. Mandados construir estrategicamente pelos governadores e capitães-gerais, estes caminhos com 400 anos, são parte da história da Madeira que quase caíram em ruína com a chegada do automóvel e a modernização da rede viária. Foi esta rede de acessos muito extensa, que permitiu a diversas localidades crescerem em torno das rotas de circulação terrestre, funcionando como pontos de apoio aos viajantes locais, comerciantes ou estrangeiros, a partir dos séculos XVIII e XIX. Na imagem acima pode ver-se o transporte numa rede atravessando a ponte sobre a Ribeira do Inferno no limite das freguesias de São Vicente e do Seixal (fotos Photographia Museu Vicentes).
A Rede (à esquerda) foi um transporte que sobreviveu até ao Século XX, mas no seu final mais como atracção turística. O Palanquim era utilizado pelas classes sociais mais abastadas e foi caindo em desuso ao longo do Séc. XIX. (Ilustração de Eugénio Santos / Gravura antiga - Colecção Particular)
As Corsas, espécies de
trenó multi usos, tradicionalmente traccionada por uma junta de bois,
foi também usada com mulas ou muares. Existiram igualmente corsas mais
pequenas puxadas pela força de um homem. As corsas de maiores dimensões,
designadas por corsões, tinham maior capacidade de carga, podendo ser
puxadas por 2 ou 3 juntas de bois. (Ilustração de Eugénio Santos / Foto: Photographia Museu Vicentes)
Carro de
bois de modelo minhoto e transmontano foi sobretudo utilizado na ilha
do Porto Santo. Os trens ou charretes puxados a cavalo eram mais
frequentes nas zonas baixas do Funchal. (Foto: Photographia Museu Vicentes / Ilustração de Eugénio Santos)
O
chamado “Carro de Bois” era de facto uma espécie de trenó de tracção
animal, sobreviveu como atracção turística nas ruas do Funchal até à
década de 80 do Século XX. (Ilustração de Eugénio Santos / Postal ilustrado - Colecção Particular)
A rede viária composta essencialmente por veredas, estreitos caminhos de terra e caminhos empedrados, foi-se expandindo pela Madeira, mas não permitia a circulação de grandes veículos. Até mesmo os denominados “Caminhos ou Estradas Reais” serviam mais para circulação a pé, a cavalo ou guiando bois arrastando corsas. Os transportes de maiores dimensões ficavam limitados às ruas mais largas das principais localidades.
Na ilha do Porto Santo, apesar de possuir um relevo menos acentuado só a partir de 1959 começou a dispor de estradas pavimentadas.
O transporte marítimo foi o que mais evolução apresentou ao longo dos 400 anos de colonização do arquipélago, e apesar de utilizarem a energia do vento, os navios foram aumentando de tamanho e capacidade de carga e passageiros. A máquina a vapor aplicada aos transportes deu início a um novo capítulo da história, em especial a partir de 1820.
* Ilustração de abertura deste artigo: "Baía do Funchal" - Max Römer *
Bibliografia:
GOMES, Telmo, (1995), Navios Portugueses - Séculos XV a XIX, Edições Inapa
PEREIRA, Eduardo C. N., (1989), Ilhas de Zargo, Volumes I e II, 4ª. Edição, Funchal, Câmara Municipal do Funchal, 784 p. e 887 p.
SILVA, Padre Fernando Augusto da, e Carlos Azevedo Menezes, (1920), Elucidário Madeirense - Volumes I, II e III - 1ª. Edição
SUMARES, Jorge, Álvaro Vieira Simões e Iolanda Silva, (1983), Transportes na Madeira, Funchal, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 242 p.
GOMES, Telmo, (1995), Navios Portugueses - Séculos XV a XIX, Edições Inapa
PEREIRA, Eduardo C. N., (1989), Ilhas de Zargo, Volumes I e II, 4ª. Edição, Funchal, Câmara Municipal do Funchal, 784 p. e 887 p.
SILVA, Padre Fernando Augusto da, e Carlos Azevedo Menezes, (1920), Elucidário Madeirense - Volumes I, II e III - 1ª. Edição
SUMARES, Jorge, Álvaro Vieira Simões e Iolanda Silva, (1983), Transportes na Madeira, Funchal, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 242 p.
Texto redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
Eugénio Santos - Fevereiro 2019
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