Limites e operação no Aeroporto da Madeira


Eleita, pela quarta vez, o "Melhor Destino Insular do Mundo", nos World Travel Awards (WTA), a Madeira continua a ter nas acessibilidades uma das suas maiores fragilidades, não apenas como destino  turístico mas de uma forma estruturalmente castrante em termos globais.

Focando-nos no aeroporto da Madeira, principal porta de entrada (e saída...) da Região, são por demais conhecidas e difundidas as limitações e problemas que surgem regularmente na operação de aeronaves, com a semana passada a registar novamente 2 dias em que a mesma e o movimento de passageiros foram afectados pela meteorologia.
Mais do mesmo, portanto...ou não...

Como já referi, são por demais conhecidos os problemas de ventos no aeroporto da Madeira e os constrangimentos que os mesmos provocam, no entanto, na semana passada, os problemas surgidos foram de outra ordem: a visibilidade, situação que, de resto, afectou igualmente o aeroporto de Lisboa, por exemplo, em vários dias dessa semana, tal como certamente tantos outros por esse mundo fora.

Desde há muito que todos os madeirenses ouvem falar nas particularidades do seu aeroporto...o facto de ser um "aeroporto de comandantes", os limites e problemas de vento e toda uma série de pormenores que vêm dificultar a operação de aeronaves por cá e criar uma fama nem sempre favorável por esse mundo fora mas, apesar de todos ouvirem falar nestas limitações e exigências de operação seria bom perceber de uma forma mais concreta quais são e exactamente de que forma são aplicadas, por forma a interpretar com um pouco mais de conhecimento de causa as situações surgidas.

Na Madeira, tal como nos restantes aeroportos, em especial os internacionais, tudo está devidamente estudado e documentado. As informações sobre o aeroporto e sua operação, limitações, cuidados, obrigações, rotas, aproximações, saídas, entradas, etc. estão devidamente publicadas para utilização dos diversos intervenientes.

No caso de Portugal, a empresa responsável pela Navegação Aérea é a NAV Portugal, E.P.E. e todas as informações que referi (e muitas outras) poderão ser encontradas na sua página: https://www.nav.pt/

Aeroporto de Comandantes

O Aeroporto da Madeira é conhecido por ser um aeroporto de Comandantes, ou seja apenas os Comandantes dos aviões poderão efectuar as aterragens/descolagens na Madeira (PF - Pilot Flying), ficando os co-pilotos nas funções de apoio (PM - Pilot Monitoring).

Sendo um aeroporto particularmente exigente (e não perigoso, como muitos confundem), foi decidido que apenas os comandantes, por serem mais experientes poderiam efectuar as aterragens/descolagens por cá. Não é uma situação única, havendo vários aeroportos na Europa (e restantes continentes) onde tal acontece.

No caso da Madeira, os comandantes não estão automaticamente autorizados a operar cá. Existem mais alguns requerimentos que os mesmos terão de cumprir para que isso seja possível, além da famosa certificação:

  • O Comandante deverá ter um mínimo de 200 horas de voo como comandante do tipo de aeronave que está a pilotar.
  • Nos últimos 6 meses deverá feito pelo menos uma aterragem ou descolagem, treino de simulador ou um voo com aterragem / descolagem, acompanhado de um piloto instrutor.
Para a qualificação propriamente dita, deverá efectuar (sem passageiros) aterragens / descolagens, diurnas e nocturnas em ambas as pistas (23 e 05), incluindo aterragem abortada a baixa altitude. Se a certificação for feita em simulador, os treinos deverão incluir falha de motor à descolagem, aproximação por instrumentos e visual e procedimentos de aterragem abortada. Deverão igualmente ser feitos em condições de vento diversas...normais, turbulência forte, com windshear, e diversas outras situações de vento desfavorável.

Dependentemente do tipo de simulador utilizado, poderá ou não ser obrigatório um voo acompanhado de piloto instrutor.


Visibilidade

Aterragem de um Tuifly na 05, em dia de má visibilidade...
No caso da semana passada, os constrangimentos foram provocados pela falta de visibilidade, neste âmbito, o que está publicado determina que todas as aterragens têm de ser feitas em condições visuais:

  • As aproximações à pista 05 (do lado de Santa Cruz) têm de ser efectuadas com uma visibilidade mínima de 5000m e um tecto (altitude das nuvens) mínimo de 800ft (245m)
  • As aproximações à pista 23 (do lado de Machico) implicam um mínimo de 7000m de visibilidade e um tecto mínimo de 1200ft (370m)

No caso das descolagens, a visibilidade deverá ter um mínimo de 2800m em ambas as pistas. Ou seja, situações com nuvens baixas ou de aguaceiros que limitem a visibilidade, poderão ser motivo para inviabilizar as aproximações / aterragens. Esta é uma situação que é regular em muitos aeroportos.

Como referi anteriormente, Lisboa, por exemplo, nos últimos tempos tem sido igualmente afectada por situações deste tipo e, mesmo dispondo de aproximação por instrumentos (que exigem vários tipos de certificação para os quais nem todas as aeronaves e tripulações estão certificadas aos níveis mais exigentes) provoca sempre constrangimentos e uma operação mais lenta e difícil, obrigando igualmente por vezes o tráfego a divergir para outros aeroportos.


Os ventos

Aparelho Ucraniano da Windrose numa final "animada" para a 05
Por fim, a questão mais badalada e que mais tinta tem feito correr (além de dinheiro, tempo e muito combustível extra, entre muitas outras coisas...)

A orografia da Madeira é efectivamente um dos nossos maiores tesouros mas também causa de inúmeras dores de cabeça nos mais variados campos. O meteorológico é, sem dúvida, um deles.

"Cercado" por vales profundos a norte, o aeroporto da Madeira tem, como todos sabemos, uma relação difícil com o vento, muitas vezes incerto e variado nos diversos pontos, acontecendo por vezes o vento estar de "cauda" ou cruzado em ambas as pistas com direcções completamente diferentes nas zonas de aproximação...um "cocktail" difícil de gerir e abordar por parte das tripulações...

Idealmente, as descolagens e aterragens são efectuadas com vento de frente mas não tem necessariamente de assim ser e os próprios aparelhos têm limites definidos para as condições de vento em que podem operar.

Na Madeira, foi decidido estabelecer os limites que na altura se acharam os mais adequados à operação segura das aeronaves mas as próprias companhias tem igualmente definidas, por parte das suas operações de voo, entre muitas outras orientações e procedimentos, os limites de vento que orientam a operação nos aeroportos.

No caso da Madeira, até agora, os limites do aeroporto têm sido mais restritivos que os das companhias mas, caso estes mesmo limites sejam alargados ou mesmo retirada a sua obrigatoriedade, as companhias poderão/irão estabelecer os seus próprios limites de operação. Daí a famosa posição do actual Presidente da TAP, indicando que manteria os limites na TAP mesmo que os estes passassem a recomendações. Declarações que indignaram muitas pessoas mas que, na verdade, são um direito/dever de qualquer companhia, no âmbito da definição dos seus procedimentos operacionais.

No que toca a ventos e limites propriamente ditos, suponho que deverei começar por um pequeno esclarecimento relativamente às direcções e indicações propriamente ditas.

Tenho referido, ao longo deste texto as duas pistas do aeroporto da Madeira quando na verdade apenas existe uma faixa de aterragem, o que poderá confundir algumas pessoas.

Na operação aeroportuária, se considerarmos que a pista está centro de uma bússola (círculo com 360º), em que o Norte está no 000/360, então será fácil definir orientações.

Estando a faixa de aterragem numa determinada direcção, o Aeroporto da Madeira poderá ser utilizado (aterragem/descolagem) pelo lado de Santa Cruz ou de Machico, sendo atribuído a cada um desses lados um número de pista (portanto 2 pistas para uma única faixa).

Esses números não são aleatórios, resultando da própria orientação da pista "dentro da bússola" e servindo igualmente como mais uma forma de confirmação do rumo correcto de aterragem (que poderá ser importante em aeroportos com mais pistas com diversas orientações).

Como os rumos têm 3 números e nas pistas apenas se pintam 2, o número da pista resulta do arredondamento do rumo.

Especificamente na Madeira:

  • Nas aterragens/descolagens do lado de Santa Cruz, o  rumo é 044.54, pelo que a pista tem a designação 05.
  • Nas aterragens/descolagens do lado de Machico, o rumo é 224.54, pelo que a pista foi designada como 23.

(Antes do último aumento da pista, se bem se recordam, esta tinha uma orientação ligeiramente diferente, com a ponta do lado de Machico menos virada a terra, pelo que, na altura as pistas tinham a designação de 06/24)

Desta feita, e percebido (espero ter conseguido ser claro...) a forma de identificar direcções e designações, a forma mais fácil de conhecer os limites de vento actualmente estabelecidos será com os esquemas abaixo, que indicam os limites (em kts, nós) para o vento constante e para a rajada (gust), bem como as diferentes direcções e quadrantes do mesmo.
Limites de vento para a pista 05 (lado de Santa Cruz)
Limites de vento para a pista 23 (lado de Machico)

Espero que este texto tenha servido para deixar alguma informação que permita melhor perceber quais e de que forma são aplicáveis os limites à operação no Aeroporto da Madeira.

Muito poderia ser dito acerca deste assunto (e muito tem sido efectivamente dito e escrito), quer acerca dos limites quer acerca das melhores formas de ultrapassar ou minorar estes problemas. Essas questões dariam pano para muita manga e ficam além do objectivo principal deste texto mas, posso adiantar que sou absolutamente a favor de uma revisão dos limites operacionais do Aeroporto da Madeira com a devida ressalva que essa mesma revisão deverá ser sempre uma decisão técnica resultante de mais e melhores estudos.

Tudo isto não invalida que entretanto sejam tomadas outras decisões a curto prazo no sentido de minorar as consequências dos dias de inoperacionalidade...

Rui Sousa
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1 comentários:

  1. Excelente artigo. Mas desculpe a minha ignorância na matéria, pois fiquei sem perceber no que respeita ao gráfico setorial de limites de vento, o que sucede nas zonas a branco (10-20, 40-120,190-200 e 230-300 graus) ? nestas zonas não é imposta limitação de vento ? (para além das próprias definidas para o avião e pela companhia ? )

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