A enxurrada de notícias sobre os recentes
acontecimentos de Estrasburgo não é separável de uma linha ideológica que
procura, incisivamente, inculcar na chamada “opinião pública” a teoria de um suposto
choque entre as civilizações “ocidental” e “islâmica”. Aqueles acontecimentos
somam-se a um vasto leque de outras notícias que procuram confirmar uma visão
que concebe ou fomenta uma divisão dos seres humanos e entre os povos segundo
uma única identidade.
De forma instrumentalizada, os indivíduos
são reduzidos a uma só dimensão, são divididos segundo um critério, segundo uma
classificação baseada na cultura ou religião dos povos.
Pretende-se criar um quadro político de
confrontação global encarado como corolário das divisões religiosas ou
culturais à escala mundial.
Ao separar os povos do mundo entre os que
pertencem ao “mundo islâmico” e ao suposto “mundo ocidental” dá-se a prioridade
a uma forma de classificação que é implicitamente usada para colocar as
pessoas, de forma estanque, dentro de um único conjunto de comportamentos.
A religião de uma pessoa não teria
necessariamente de ser a sua identidade abrangente e exclusiva. Aliás, tal
critério não é aplicado quando se reporta a factos e a acontecimentos
noticiados que envolvem cristãos, budistas, hindus…
No entanto, naquele contexto político de
França, nos relatos do sucedido em Estrasburgo, a classificação religiosa foi ostensivamente
manipulada para originar medos e outras distorções de natureza agressiva, bem
mais fundas e perversas do que a materialidade das práticas que atentaram
contra pessoas.
Amartya Sen, em “Identidade e Violência”,
fala de «os hábeis artesãos do terror». Aplica-se a todas as mais recentes
narrativas de factos que promovem um mundo visto como se pudesse ser reduzido,
em vez de uma série de povos, a identidades dicotómicas, onde existiríamos “nós”
e, noutro pólo, haveria uma ameaça, um único inimigo: o islâmico.
A associação entre fundamentalismo
islâmico e terrorismo, assim como uma propositada não distinção entre a
história islâmica e a história dos povos muçulmanos; a fomentada distorção de
que os muçulmanos não teriam muitos
interesses, como se não tivessem outra identidades, a não ser a de uma “natureza
exclusivamente islâmica”; a agressiva simplificação do mundo árabe e a supressão da riqueza multifacetada da história árabe;
estes e muitos outros fatores visam criar alvos fáceis de ódios selváticos.
Somos, pois, confrontados com «os efeitos aterradores da miniaturização das pessoas», de que fala Amartya Sen, que fazem parte de uma arte de construir o ódio, que fazem parte de uma estratégia da violência cultivada.
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