Tudo a pandemia pôs a nu

Desigualdades e injustiças sociais

No início de 2020, a situação social e económica do arquipélago apresenta índices de pobreza dos mais elevados do País, agora com uma espiral de agravamento com reflexos num tecido social marcado pela vasta precariedade no emprego e pelos baixos salários.


Na verdade, antes de 2020, a Região Autónoma da Madeira (RAM) já estava no topo das regiões que registavam as mais elevadas taxas de risco de pobreza de Portugal, com taxas próximas dos 30%, bastante superiores ao valor nacional (com valores que se cifravam nos 17%). Segundo a Direção Regional de Estatística da Madeira a taxa de pobreza ou exclusão social na RAM em 2018 foi de 31,9%.

Nesta Região Autónoma os rendimentos auferidos pelas populações são significativamente inferiores aos praticados no resto do País. De acordo com os dados oficiais, o rendimento monetário líquido anual por adulto equivalente na RAM foi inferior à média nacional em cerca de 1000 euros. A mediana do rendimento monetário líquido anual por adulto equivalente fixou-se em, 2017, na RAM, nos 8 326 euros, enquanto a mediana nacional para esta variável é de 9 346 euros. Portanto, os mais baixos salários são um dos nexos causais das desigualdades sociais existentes na RAM comparativamente ao restante território nacional.

Outros dos fatores das assimetrias sociais têm sido os problemas do desemprego, baixa intensidade laboral, ausência de recursos financeiros, dificuldades no acesso a educação de qualidade e a cuidados de saúde ou más condições de alojamento, realidades que vivem de mão dada com a pobreza. Agora, com a epidemia provocada pelo COVID-19, tudo isto se está a agravar a todos os níveis materiais, no acesso a alimentação saudável, a educação de qualidade, a cuidados de saúde básico ou a um alojamento digno, como se agravará também a nível social o estigma, a vergonha, a discriminação, o isolamento e a exclusão.

Agravamento galopante

As profundas desigualdades sociais e a injustiça social que na RAM revelam raízes profundas e uma dimensão estrutural na economia e na configuração da sociedade, no segundo semestre de 2020, conheceram novos fatores de agudização. Verifica-se que a crise económica e social está a provocar o encerramento de muitas empresas, um aumento exponencial do desemprego e um crescimento da pobreza.

Bem revelador do galopante processo de agravamento da situação económica e social na RAM é o número de desempregados na Madeira que subiu 26% em agosto de 2020. Os dados publicados em setembro de 2020 pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) dizem que a RAM registou um aumento de 26,6% no número de desempregados, relativamente ao período homólogo. Na prática, são mais 3 975 pessoas em situação de desemprego. A Região neste momento representa 4,6% do desemprego do País, com 18 mil e 900 desempregados, correspondendo a um crescimento percentual cinco vezes superior à média nacional. De entre estes desempregados, 71% estarão sem subsídio de desemprego (a média nacional de beneficiários é de 41%). Ou seja, na RAM apenas três em cada dez desempregados têm apoio no desemprego. Quer tudo isto dizer que, a par da gravidade do sufoco social, estes são indicadores que apontam para a profunda precariedade dos vínculos laborais nesta Região Autónoma, situação que, com esta amplitude, não tem paralelo no País.

Segundo o Governo Regional da Madeira, «numa perspectiva optimista, [a taxa de desemprego] estará no final do ano à volta de 13% e, num cenário mais drástico, podemos ir até aos 18,5%, o que implicará à volta de 25 500 trabalhadores no desemprego», disse Augusta Aguiar, Secretária Regional da Inclusão Social (LUSA 01/05/2020).

Uma vez que os dados referentes ao último mês de agosto já colocam a RAM próxima dos 19.000 desempregados, estamos perante indicadores sociais que apontam para o mais drástico cenário colocado pelo Governo Regional da Madeira.

Para além do gravíssimo problema do desemprego, prolongam-se e surgem novos processos de quebra de rendimentos na decorrência da aplicação do regime de lay off. Na RAM, inúmeros trabalhadores independentes perderam os seus rendimentos, milhares de trabalhadores ganham agora bastante menos por causa generalização das várias modalidades de lay off. Mais de 50% dos trabalhadores na RAM sofreram algum corte de rendimento nos meses do COVID-19, a partir de março de 2020. Registaram-se cortes nos rendimentos dos agregados familiares, de onde resultam consequências negativas para todo o quadro económico e social da RAM. Essas quebras de rendimento dizem maioritariamente respeito a trabalhadores por conta de outrem com redução forçada de horário e de salário. À gravidade da desvalorização salarial em curso soma-se o problema das suspensões de contratos de trabalho, especialmente impactante na economia do turismo.

No sector do turismo, casos como o do recente anúncio do processo de despedimento no Hotel Reid`s  ou o confirmado novo lay off  no Grupo Savoy, que vai enviar mais de 400 trabalhadores na Madeira para lay-off, estimam-se que, pela centralidade económica do sector hotelaria para a RAM, sejam péssimos sinais quanto aos problemas económicos e sociais.

Resposta exigível aos problemas económicos e sociais

A epidemia tem contribuído para evidenciar fragilidades estruturais da RAM e revela constrangimentos, como coloca problemas e desafios, que precisam de ser enfrentados para que não prevaleça uma política de retrocesso e empobrecimento. Torna-se, pois, imperioso fazer opções de fundo de modo a que não se aprofundem ainda mais as fundas desigualdades e não sejam agravadas as dificuldades económicas e sociais. Uma realidade que é indissociável do aproveitamento que os grupos económicos têm feito da COVID-19, com expressão concreta no ataque aos direitos dos trabalhadores, no aumento da exploração, em cortes nos já baixos salários, perda de rendimentos, na destruição de postos de trabalho e no despedimento selvagem de milhares de trabalhadores.

Enfrentar a crise exige medidas profundas e respostas de natureza estrutural à perspectiva de recessão económica e aos consequentes agravamentos dos problemas económicos e sociais na RAM.

E pelo que já foi possível analisar o Programa de Recuperação Económica e Social que os governantes adotaram, alegadamente para fazer face aos problemas que a Região enfrenta, não enfrenta os nexos causais que estão na base das desigualdades e injustiças que marcam a sociedade e o território.

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