
Antes de pensar a cidade é preciso pensar nas
pessoas. Nem sempre tem sido assim. As pessoas têm vindo sempre depois. Tantas
vezes pergunto-me perante as obras que são feitas na cidade, se elas estão a
ser feitas para as pessoas ou para a grandiosidade das cidades. Não sei
responder.
Sei sim, que a cidade, a nossa cidade não é minha
nem é tua, só pode ser nossa e muitas vezes quem governa não percebe isso. Faz
da cidade o seu quintal, o terreiro das suas manias e dos seus intentos
pessoais.
A cidade tem um oceano imenso de contradições.
Alguém um dia escreveu num grafiti numa cidade que «antes de haver cidades já
havia pessoas». Hoje quero escrever em lápide garrafal esta inscrição, para que
a nossa cidade ressuscite como espaço comum de almas vivas que buscam pelo
sonho a paz e a fraternidade.
A cidade sendo o lugar onde se respira o ar da
liberdade, faz circular nas suas artérias a vivacidade das relações sociais, os
diversos serviços públicos, isto é, o distribuição dos deveres e das funções
que dão resposta às necessidades das pessoas em geral.
A cidade é o lugar do encontro para a amizade, o
convívio, os negócios, o comércio e todos os afazeres do bem comum, tudo
assente no crivo da lei, que nos garanta alguma justiça, alguma equidade e alguma
autonomia dos cidadãos. Porque nem sempre a cidade proporciona isso ou quiçá
teremos que afirmar que a cidade oferece precisamente ao contrário, injustiças,
desigualdades e nenhuma autonomia aos cidadãos…
A cidade é o lugar por excelência para vermos de
forma concreta o sentido da democracia que amamos e que lutamos para que se
aperfeiçoe ainda mais dentro dos valores e dos ideais que são apanágio deste
sistema político.
Há uma história de Franz Kafka que nos dá conta da
vida de um camponês que passada quase todos os dias junto de uma porta que dá
acesso à lei. O camponês sentia-se com vontade de entrar todos os dias, mas
nunca entrou. A porta estava defendida por um guarda permanentemente. A tudo o
guarda resistia, aos subornos, aos pedidos e às belas ofertas que lhe garantiam
bem estar e sucesso pessoal. Por fim, o camponês sentindo a morte chegar faz a
pergunta que tinha calado aqueles anos todos: «se todos querem seguir a lei,
porque só eu nestes anos todos é procurei entrar nesta porta sem subornos e sem
ofertas?» Responde o guarda de imediato: «ninguém podia ter entrado por esta
porta por nada deste mundo, porque esta porta estava destinada apenas para ti.
E agora chegou a hora de fechá-la».
A cidade guarda tudo e de tudo. O bom e o mau da humanidade.
Há nela flagrantes contradições, que nos indispõem as entranhas e nos fazem por
vezes descrer do futuro, mas são todas essas justaposições que animam este
pequeno mundo que faz e desfaz sonhos. E é nesta tensão inclusiva e exclusiva
que se constrói o sentido último da história que segue, por isso, esperemos que
a nossa cidade nos olhe com verdade, como nós sobre ela acertamos o passo da esperança.
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