Federico
García Lorca transformou-se numa figura simbólica dos milhares e milhares de
vítimas do terror fascista e do combate da cultura contra a barbárie de uma
ditadura.
Em 1936, na véspera da viagem fatal a Granada, Lorca tinha-se dirigido à sede da editora Cruz y Raya. Como não encontrou o editor, deixou sobre a sua secretária um original de Poeta en Nueva York para ser publicado. Um bilhete, numa folha timbrada da editora, dizia: “vim procurar-te e julgo que voltarei amanhã.” Mas não voltou.
Federico
García Lorca ganha uma imensa força simbólica quando o fascismo está na moda.
Hoje, para muita gente, o fascismo, mais cultural que político, dissimula o
fascismo ordinário, o fascismo violento, dos assassinatos, estúpido e inculto.
O fascismo na moda, mais do que uma filosofia, é sobretudo uma retórica, uma obsessão
por uma certa liturgia do poder, pelo estabelecimento de uma determinada ordem.
Alimenta-se do medo para arquitetar a sua ditadura.
O
fascismo na moda provém da frustração social, alastra nos dias da crise
económica e anuncia-se no estilo pomposo do jargão democrático.
O
fascismo promove o culto do anti-comunismo, multiplica-se nas entrelinhas da
palavra anticomunista, componente essencial dessa nova ordem, duma potente
estrutura ideológica, duma moral que se pretende dominante, de uma ordem que
exige obediência e a conivência com a linguística da repressão social,
camuflando a violência por vezes assassina.
Em
contraposição à forte atração exercida no universo cultural europeu pelo
marxismo nos anos de 1960 e de 1970, o fascismo foi gradualmente ocupando uma
posição dominante e influente na estruturação das sociedades. Mesmo para quem
não acompanhasse o marxismo, nem tivesse identificação com teses marxistas, nas
sociedades prevaleciam algumas predisposições ou formas de condescendência em
relação à exigência de justiça, generosidade no compromisso e ao agir
consequente veiculado pela cultura política marxista. Mas, agora, a relação de
forças é completamente distinta. Não como doutrina ou como sistema, nos meios
mais insuspeitos, com mãozinhas de veludo, o fascismo, o “eterno fascismo” como
o nomeou Umberto Eco, o fascismo está na moda.
Sempre com assegurado destaque nos meios de
comunicação mais influentes, sempre ao dispor da alta finança, sempre com
cuidada comunicação de valores sobre um suposto interesse comum, com o
voluntarismo de quem sempre apenas quis debater a atualidade e com a aparente
ingenuidade de quem só quer edificar a nova ordem, os arautos da linguística do
fascismo aí estão inspirando uma finalidade económica, social, política.
Mais ainda com os dias de confinamento, impelidos
pela manipulação do medo que o Covid-19 tem ajudado a fermentar, em que uma
cultivada fobia social e o isolamento interrompem as malhas da
racionalidade e da necessária “relacionalidade”, o fascismo encontra espaço
fecundo para se impor como uma necessidade histórica.
Contracorrente, o mundo poético e dramático de
Lorca incorpora a formulação de um conflito básico em toda sua obra: a
contradição entre opressão e liberdade. O ideário de liberdade e de libertação
que tanto apaixonou Federico García Lorca emerge, pois, mais ainda agora, como
uma tarefa de todos quantos, como os protagonistas em Bernarda Alba,
como em Bodas de sangre, vivem do desejo de liberdade.
A semana "Lorca Vive!", entre 18 e 25 de agosto, é em diversos países a oportunidade para invocar a memória do poeta da insurreição contra a opressão.
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