"O Homem é do tamanho do seu sonho"

Chamem-lhe qualquer outra coisa menos Escola. Simplesmente porque, desde há muito, deixou de corresponder à sua etimologia. A palavra Escola, hoje, é sinónima de trabalho, obrigação, exigência, avaliação, luta individual por uma putativa profissão. Não tem nada a ver com a seu significado primeiro, do latim schola, sobre o grego schole, que traduz, grosso modo, espaço de lazer, recreação, liberdade e valorização do conhecimento. Mesmo que a Escola constitua, no nosso tempo, um direito Constitucional e um dever, ela está pervertida no que concerne à aprendizagem do que pode ser intelectualmente interessante e motivante. Dir-se-á que, no conceito inicial, não existe uma utilidade imediata, mas liberdade de aprender aquilo que é realmente importante. 


Em uma série televisiva que acompanhei, registei, à entrada de uma escola, uma frase de Fernando Pessoa: "O Homem é do tamanho do seu sonho". Li, mais tarde, também de Pessoa, que "matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso". Mas aquela frase em uma tabuleta à entrada da escola fez-me pensar na grandeza e visão de alguém, professor ou aluno, que ali a deixou. Porque passado o portão, lá dentro, tudo é diferente. O sonho, desde o primeiro momento, sofre um rude golpe, porque a ninguém é permitido, paulatinamente, ser autor do seu "destino". Há um currículo, "paletes de programas" e um formato organizacional e pedagógico que bloqueiam o respeito pela diversidade dos públicos. 

O sistema educativo é, por isso, extremamente redutor. Mata a curiosidade e a criatividade e, se as golpeia a todo o momento, obviamente, mata o sonho. Não é possível a compaginação de ambas, isto é, encontrar as respostas ao turbilhão de perguntas a todo o momento disparadas por crianças e jovens e, simultaneamente, desejar que se mantenham no rebanho do que é superiormente determinado. A ternurenta e paternalista frase que assume que "as crianças estão no centro das políticas educativas" não passa de uma grosseira mentira. Uma falácia! Para já, se estivessem não seria necessário que os poderes a verbalizassem amiudadas vezes. Não estão. 

Elas são conduzidas segundo o pensamento dominante do adulto, político ou professor, orientadas pela visão estrábica de hierarquias impreparadas e, portanto, grosso modo, acabam sendo vítimas e não culpadas pelas trágicas taxas de insucesso, abandono e qualificação profissional. Porque a tal escola inclusiva, do prazer pelo conhecimento, que implica participação, curiosidade e respeito pelo sonho, salvo raras e honrosas excepções, não existe. A escola que ensina a sonhar não existe. O que é patente, imaginem em formato de desenho animado, é a escola que racha cabeças ao meio e lá para dentro atira livros e mais livros (leia-se conteúdos) sem qualquer interligação, pressupondo que de tal acção possa resultar percentagens ou notas de relevo nos testes de avaliação e, finalmente, uma meritocracia que mereça uns minutos de comunicação social para gáudio das hierarquias. Para que serve, não é pergunta que se coloque à discussão. Ademais, se sempre foi assim, porque raio alguns entendem que isto tem de ser diferente, certamente questionarão.

Ninguém pára para reflectir. Ninguém ouve os professores e estudantes, o pulsar das suas vidas e as suas reais angústias. "Não precisam de pensar porque há quem pense por eles" é a frase que continuam a trazer em memória activa, dos trágicos tempos do "Estado Novo". Dizer a certas pessoas, com responsabilidades várias, que "a criança nasce cientista. É a escola que a silencia" (Regina Steurer), face a alguns, dá-me a sensação de constituir uma enormidade, porque estão animadas do pensamento que a eles compete definir o melhor para a sua formação. Cresceram assim, viveram assim e respondem assim. 

Mais. Porventura, dirão, que é treta o que disse o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, que as crianças começam a sentir que "têm um adulto dentro de si". Na escola do generalizado tédio - é o que os especialistas transmitem - a existir um "sonho" (perversamente, os adultos designam por projecto educativo), esse, digo eu, é colectivo, nunca em uma base individual. A linha de montagem é sequencial e superiormente determinada, pelo que, é o aluno que se tem de adaptar à escola e não a escola ao aluno! A escola não assume que "o sonho é uma planta que deve ser regada todos os dias para que cresça. Que é desta forma que se cultiva a esperança, o sentido de vida e o que nos faz, realmente, despertar depois de infelizes derrotas e melancolias" - escreveu a aluna Ariana da Silva Araújo.

O problema reside, portanto, na inexistência de uma certa dose de saudável loucura, de utopia, no sentido de uma ambição sustentada, que garanta que tudo, sublinho, tudo, possa ser motivo de aprendizagem, porém respaldado no sonho e no respeito pela diferença. E que tudo, transversalmente, está interligado. O manual, a acção dos professores que debitam e debitam, a memorização de conteúdos e a obsessão pela avaliação, não é, seguramente, o melhor caminho. 
"A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito", avisou o Professor Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica.

Perguntar-me-ão, mas afinal como é que se opera a transformação? Respondo de forma simples em quatro pontos que conduzem a inúmeras alíneas: primeiro, com uma verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem; segundo, com uma total ruptura do pensamento e da estrutura organizacional dominante, através de um princípio básico do desenvolvimento, o da "transformação graduada" no tempo; terceiro, com as instituições governamentais a assumirem o espaço da regulação de natureza administrativa que, necessariamente, se estende ao campo social, e não de abusiva interferência pedagógica, mesmo que de uma forma indirecta; quarto, chamando para a mesa do debate a instituição universitária, que estuda e é portadora de conhecimento.

O actual quadro tem uma característica absolutamente castradora, pela centralização de tudo quanto à escola diz respeito. Embora digam que não, sublinho! A verdade, porém, é que sentem prazer em ter as rédeas  do controlo na mão, daí o estendal burocrático que, por um lado, lembra quem manda, por outro, dita a orientação que convém à manutenção de um estado de ignorância.

Inspirado, deduzo eu, em Fernando Pessoa (1888/1935), Augusto Cury, Psiquiatra e Escritor brasileiro (1958) escreveu: "Que tamanho tem o universo? O universo tem o tamanho do seu mundo. Que tamanho tem o meu mundo? Tem o tamanho dos seus sonhos".

Finalmente, tão bom seria que tivessem presente "que o discípulo nunca está diante do Mestre, como o barro entre as mãos do escultor ou como um fantoche a quem se puxam os cordelinhos" - Georges Gusdorf.
Ilustração: Google Imagens.
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