A estagnação do ferry


Quem segue os assuntos relacionados com a ligação marítima entre a Madeira e o território continental desse há alguns anos certamente já terá se apercebido que em tempos este assunto foi mais comentado, por vezes até de forma mais calorosa, do que tem sido nos últimos tempos. Não sei se todos partilharão desta minha percepção mas é a impressão com que fico por seguir os assuntos ligados ao ferry desde pelo menos 2012. A questão é que, como em muitos aspectos da vida, acabamos por ficar cansados quando batemos sempre na mesma tecla e dali não sai qualquer reação, qualquer novidade significativa. Este é um receio que tenho e que espero que nunca se materialize.

Fazendo uma pequena resenha histórica, temos: por volta de 2017 foram lançados concursos públicos pelo governo regional para a reativação da ligação ferry. Nessa altura, como finalmente foi tomada uma atitude sobre esta questão, a mesma ganhou mais popularidade. Depois houve todas as peripécias que levaram com que a ligação fosse parar no grupo sousa. Nada que surpreendesse quem estivesse mais informado sobre a realidade política regional.

Até ao dia em que o ferry fez a sua reestreia na Madeira, muitos não acreditaram na palavra dos políticos envolvidos, o que é francamente sintomático da confiança que a população deposita neles. Então no início do verão de 2018 finalmente voltamos a ver um ferry da Naviera Armas a entrar no porto do Funchal, porém desta vez na qualidade de navio fretado. Os ânimos nessa altura acalmaram porque finalmente o ferry estava de volta, embora em condições longe daquelas que tínhamos anteriormente e se aproximavam das ideais.

O verão passou, a ligação teve uma procura que mostrou a falta que fazia à região, e por fim chegou o dia da última escala. Nesse dia aconteceu uma pequena mas surpreendentemente enérgica manifestação contra o fim da ligação. Nos dias subsequentes a revolta nas redes sociais foi patente mas uns dias depois depois o “cansaço psicológico” sobre esta questão veio ao de cima e o assunto ficou um pouco adormecido. As publicações sobre o ferry continuaram a surgir, os comentários também, mas tudo num ambiente mais calmo.

O tempo foi passando até que se aproximou a época de operação de 2019. Notei logo à partida que já não havia aquela excitação, aquele ambiente elétrico de dúvida sobre o cumprimento da ligação ou não para este ano. O ferry havia sido tomado como uma certeza. O verão de 2019 foi passando e mais do que nunca a ligação mostrou que tinha procura. Aliás, atrevo-me até a dizer que em algumas viagens a procura excedeu largamente a oferta que deveria haver dada as características do ferry fretado. A tónica neste ano passou pela falta de condições que o ferry oferecia dada a quantidade de passageiros que foram transportados em algumas viagens. Recordo que houve viagens com mais de 800 passageiros a bordo, número que excedia o de camas e poltronas disponíveis no navio. Portanto não foi nada surpreendente ver as reclamações que surgiram, e com toda a razão. Se em 2018 ficou provada que a ligação tinha procura, em 2019 ficou demonstrado que em determinadas alturas do ano a procura até justifica o frete de um navio maior.

Com o aproximar do fim da operação de 2019, notei que havia menos revolta no ar devido ao fim anunciado da operação do ferry. A prova foi dada no dia da última escala; ao contrário do acontecimento do ano anterior, em 2019 foram ao porto despedir-se do ferry apenas meia dúzia de gatos pingados, que até estavam literalmente pingados devido à chuva que caiu nesse dia. Nas redes sociais também foi notória a diminuta revolta pelo fim da ligação. Podemos considerar que isto deveu-se às eleições regionais que tivemos três dias antes e que pouco de novidade trouxeram. Porém, aquela “revolta dos gatos pingados” não deixou de ser sintomática.

A questão central é: será que tudo isto não passa de uma estratégia do governo regional para tentar apaziguar de forma ilusória as reivindicações da população em relação ao ferry?


A maior parte da população é constituída por pessoas anónimas que têm como maior interesse no ferry a possibilidade de poder viajar no mesmo. Uns porque podem levar o seu carro, outros porque o preço da viagem é muito mais barato do que o de avião na mesma época, outros ainda porque têm receio de viajar de avião, etc. Quanto aos empresários que terão interesse no transporte de carga comercial, serão porventura uma minoria. Portanto este grupo não constitui a fatia maior da população revoltada com a inexistência da ligação ferry. A estratégia de apaziguamento poderá ter passado por esse ponto: criar uma ligação dirigida ao transporte de particulares e suas viaturas a um preço razoável, no período de verão que é quando a maior parte da população tira férias e, portanto, fica com tempo livre para uma viagem de maior duração. Quanto ao transporte de carga comercial, esta seria taxada a preços “módicos” (como os da TAP) para evitar que esta via pudesse mostrar interesse e desenvolvimento. E assim acabamos por ficar com um modelo de transporte que chamo de Ferry para Férias. Deste modo muitas pessoas ficaram com as suas pretensões satisfeitas e isso refletiu-se na diminuição das reivindicações da população. Para alguns isto pode ser apenas imaginação mas se porventura isto reflete a realidade…lamento informar mas parece ter resultado e muitos nem deverão ter-se apercebido disso.

Eu compreendo que falar sempre nas mesmas coisas cansa, ainda mais quando a conjuntura política parece indicar que nada irá mudar nos próximos tempos. Confesso que até comigo isso está a acontecer...contudo é preciso tomarmos um novo fôlego e continuarmos a exigir aquilo a que temos direito. Aquilo que já tivemos ao longo de todo o ano, com qualidade e com preços realistas tanto em transporte de passageiros como em carga comercial e que nos foi tirado. O ferry tem muito mais valências do que apenas viajar nele. O ferry é uma estrada marítima que permite a abertura a novos mercados, novos preços e novas oportunidades de desenvolvimento regional. O ferry tanto pode influenciar em questões como a disponibilidade de produtos mais frescos e a preços mais acessíveis nos supermercados como pode facilitar a criação de novas empresas e com isso novos empregos na região. Não é esta a função de uma qualquer estrada? Possibilitar o desenvolvimento de uma determinada região através das acessibilidades? O ferry é isso mesmo, uma estrada marítima.

Por fim pergunto, como um governo que diz trabalhar a favor dos interesses dos madeirenses pode continuar a lidar com esta questão de forma tão distorcida e a jogar as culpas de tudo para o continente? Por acaso foi o governo nacional o responsável pela inviabilização da operação feita pelo Armas até 2012? Que se saiba, não. Então quem teve a culpa que assuma a responsabilidade e corrija os erros cometidos. Quanto a nós, temos de continuar com a nossa posição reivindicativa. O que os políticos querem é precisamente a inércia e passividade do povo. Vamos facilitar-lhes a vida?

Grupos Públicos do Facebook
"Ferry o ano inteiro":
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"Ferry, Estrada da Liberdade":
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1 comentários:

  1. Tudo dito, falta a "coragem" de um governo honesto para acabar com o monopólio dos Sousas e beneficiar o povo que neste caso é o grande lesado...

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