O post que publiquei ontem aqui no facebook gerou uma onda interessante de
reações. Só podia, porque para além de ser reflexo da minha inquietação era,
sobretudo, provocatório, no sentido que pretendia suscitar o debate à volta da
ideia e da visão da Igreja que nós somos nos dias de hoje e, particularmente,
entre nós.
Tem havido de tudo um pouco. Uns, também provocadores, não percebem porque
se eternizam os padres nas paróquias, é caso para mandá-los perguntarem a quem
os fez «intocáveis».
A favor da minha nota «Ponto e pronto» de ontem (dia 9 de Setembro) estavam
alguns não sei se com a visão da Igreja que se reclama ou se com alguma graça
que o post aludia. E ainda outros quiseram insinuar, como advinhei e alertei no
texto, que eu devia estar invejoso, a estes é caso para responder que estou
farto de andar em cima de tapetes uma porção de tempo todos os dias, basta dar-se de conta de que as nossas
estradas e ruas estão todas atapetadas com alcatrão.
Fora a graça, embora que fosse pela rama alguns felizes percebeu o tema
lançado e comentaram como sabiam.
Outros estão contra como sempre, nada que não se espere, é perfeitamente
normal, porque há gente que não pensa, basta-lhes o que vê e ouve, então toca a
discordar ou estar de acordo se agrada ou desagrada. Tudo à flor da pele. É incalculável
o quanto isto traz de consequências negativas para o bem comum. Pobre para o
meu gosto.
Porém, ainda ouve espaço para alguns ofendidos, porque disseram que estava a falar deles. E a par destes outros foram buscar comentário que nada tinha a ver com o conteúdo do texto e muito menos tocaram no assunto. Tudo perfeitamente normal.
Mas ocorre-me vir outra vez à liça sobre o mesmo assunto, comentando o que
publiquei ontem, porque devo ter chegado onde queria. Vejamos, não se debate
ideias nem muito menos os assuntos e no caso ninguém quer saber da visão que
temos hoje sobre a Igreja Católica. Bastam as tradições, que muitos confundem com
costumes e fazem de tudo tradição. Há dias presenciei uma reportagem sobre um
acontecimento que começava precisamente nesse ano, nos apontamentos de
reportagem o jornalista e nós fartamo-nos de ouvir que era a tradição. E sobre
os que metem tradição em tudo, lembro que os padres andavam de
rede.
Não posso e não devo me contentar com uma Igreja de que quanto mais show off melhor, a imagem é que conta. Não abdico dessa inquietação e não me cansarei de
alertar que é grave não se rever nem se debater os comportamentos, os costumes
e até as tradições que muitas vezes escondem o essencial e desviam-nos da
verdadeira visão da Igreja que se pretende passar para os outros. Se regredimos
em tudo, até nos valores básicos da nossa civilização, se não aceito isso,
muito menos aceito que se regrida na visão da Igreja Povo de Deus para nos
fixarmos numa Igreja tridentina, cheia de rendas, onde os padres não são carne
igual à carne dos outros, mas uma espécie de deuses. As fragilidades do clero
que os últimos tempos revelaram provam bem do que falo.
Então vamos fingir que não há um Papa Francisco cheio de gestos
tão radicais de humildade, que reflete imenso sobre o papel do padre e sobre o
perigo (veneno) do clericalismo… Não se pode nem se deve ignorar tudo isso. Um
irmão entre irmãos, pregar e viver isso é a escola de qualquer pároco em
qualquer parte do mundo.
Deve haver uma verdadeira pedagogia dos padres (sim o padre é um educador
do povo) em relação ao povo para que pense e procure estar bem ciente da
dimensão da fraternidade que faz parte da dimensão da Igreja Povo de Deus. Não
somos todos batizados, todos irmãos, todos Cristo (como ensina São Paulo, Santo
Agostinho e outros padres da tradição – esta sim verdadeira Tradição – da
Igreja)? – Muitas das manifestações não vamos considerar que carregam maldade,
óbvio que não, mas são sinais, umas vezes carregados de ingenuidade e
simplicidade, claro, mas que não devem ser promovidos nem incentivados por quem
tem o dever de ser irmão entre irmãos na base da liberdade, igualdade e
fraternidade.
Voltando à minha provocação para dizer que estava precisamente nesta ideia,
mas poucos a perceberam e limitaram-se a manifestar-se a favor ou contra e
outros ainda que estavam tristes e ofendidos. Normal numa terra que pensa pouco
ou não pensa, porque gasta o tempo no acessório, no corriqueiro da ordinarice e
mediocridade diária (Oi Jesus… Agora lá virão as virgens ofendidas que andam em
campanha eleitoral).
Termino esta longa reflexão - peço perdão por isso – com o exemplo do Padre
Antonino César Gouveia Valente, que em 1920 foi nomeado pároco de Boaventura
onde ficará a paroquiar até 1947, ano da sua morte. Na ocasião da sua nomeação
foi convocado pelo Bispo D. António Manuel Pereira Ribeiro para apresentar-se
no Paço episcopal para receber a sua nomeação. Não apareceu e deixou-se ficar
no Curral das Freiras. Sabendo do local da sua nova missão pela comunicação
social, mete-se ao caminho com meia dúzia de homens que ajudaram a transportar
os seus apetrechos a pé, calcorreando as encostas e as montanhas até à
Boaventura onde se apresenta sem aparatos de ordem nenhuma.
Não se esqueçam de ler a obra publicada recentemente «O Padre Valente da
Boaventura» da autoria de José Manuel Vieira e Aires dos Passos Vieira,
publicada pela Editora Madeirense. Serve para nos darmos conta que estamos
perante uma figura enorme, um gigante, que se entrega por inteiro ao seu povo.
Rezam dele as crónicas que era um padre com elevada craveira inteletual, os
seus apontamentos, as notas para os sermões e a sua frequente colaboração em
órgãos de comunicação social da época atestam bem da sua indiscutível e elevada
formação espiritual, musical, filosófica e teológica. À época corria a ideia de
que estava ostracizado, um esquecido pelos colegas e pelo bispo.
Enfim, leiam a obra e logo
se perceberão da ideia ou visão da Igreja «Povo de Deus» que este padre
preconizou muito antes do ar fresco do Concílio Vaticano II. Agora marca o
passo o tridentismo anacrónico e muitos que gostam desses enfeites.
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