Recordando & comparando


Assisto, em vários sítios, a uma autêntica batalha campal como consequência da exposição mediática (concretizada pelo Diário de Notícias) sobre os roubos de inertes das ribeiras, em particular dos Socorridos.

Sou dos que acredita que as obras são feitas a gosto dos empreiteiros e não pela melhor solução técnica que contribua para uma boa saúde financeira da Região. Resumido, são feitas para facturar bem e deixar serviços de manutenção em permanência. O chamado "pinga-pinga".

Volto a recordar algo que escrevi num Sem Tabus quando assisto a indícios e contradições. Vemos a proliferação de incêndios e de chuvas torrenciais, não muito longe (nem uma solidariedade com Canárias na última semana), por conta das Alterações Climáticas. Já as vivemos e voltaremos a viver, não tenham dúvidas, e será nessa hora que todos os erros surgirão, de uma só vez, para alguém se lembrar de que Deus nos abandonou quando só erramos e prevaricamos mas nunca nos emendamos.

Vejo que a justificação da largada massiva de betão no túnel falso da Ribeira de João Gomes se deve ao facto de um incêndio ter reduzido a cinzas um manto vegetal que segurava uma escarpa. Não repuseram o manto vegetal que dura tanto tempo a crescer como o túnel falso, para além de sair muito mais barato. Sinto nos governantes a necessidade de justificar aquela obra perante um povo cada vez mais esclarecido que prova a fragilidade técnica da solução e a despesa astronómica. A solução não era esta para o contribuinte mas sim de quem factura: 16 milhões. Valor mais baixo publicável.

A piada disto é que, neste caso, argumenta-se com betão mas noutro sítio, após os açudes de protecção ao Funchal, na Ribeira de São João, a solução foi de pedras soltas, nada mais e nada menos, do que depois do açude que as quer evitar de chegar ao Funchal arrastadas por uma torrente. É verdadeiramente caricato! Ali amontou-se pedra solta e o manto vegetal protege a solução que algum dia se provará macabra.

Qual das duas opções antagónicas vencerá um incêndio ou uma chuva intensa e prolongada? Nenhuma! Porque pensa-se muito mal e de forma desadequada! Numa, a água vai escavar a terra e retirar o alicerce das pedras amontoadas e noutra receberá na mesma o impacto da pedra que não se sabe de que tamanho virá. Já vimos abas à saída de túneis perfuradas na costa oeste, dizem que esta é muito mais "rija". A frase mais curta que ouvi de um entendido é que "temos de levar a bem a natureza e saber guiar a sua força". Aqui, numa gozam e noutra enfrentam. As soluções parecem a política, o embevecimento de anos de poder e a impunidade faz muitos se julgar DDT até com a natureza mas, sobretudo, com o erário público. Aí se investissem dinheiro próprio, que ruína, com o dos outros é bem mais simpático e sempre a coberto da Função Pública ... nunca falha.

Recordo o artigo,
a zona está diferente neste momento mas com os exactos problemas "plantados"
para dar chatices no futuro:


The Rolling Stones


o 20 de Fevereiro, para além do que vimos, havia um odor, um ruído macabro, o troar das pedras a rolar impelidas pela potência da torrente vale abaixo. O som era sinal do pior, voz dos inertes e entulhos que lotaram os vãos das ribeiras e fizeram a água transbordar, prosseguindo o seu trabalho de arrastamento de tudo e todos até desaguar no mar. Deveria ter sido uma lição por décadas enquanto as gerações que vivenciaram o fenómeno o recordassem.

Discutimos muito sobre as soluções a dar às ribeiras e aos terrenos contíguos. Paralelamente tivemos mérito e cometemos erros de que ainda não sabemos o alcance, as respostas virão quando formos postos à prova por um clima que está cada vez menos para brincadeiras ou principiantes. Entre encargos públicos e privados, os danos cifraram-se em mil milhões de euros numa região já de si fragilizada por uma dívida astronómica e que, depois, ainda aguentou a dupla austeridade com a falência da região e do país.

Apreensivo pelos danos políticos dos acontecimentos, o Governo Regional apressou-se a encomendar um estudo ao Instituto Superior Técnico (IST) designado de EARAM - Estudo de Avaliação do Risco de Aluviões na Ilha da Madeira - quando paralelamente já se projectava em segredo a betonização de toda a Ribeira Brava e a união das fozes das Ribeiras de Santa Luzia e João Gomes. Iniciou-se a construção de quatro Estruturas de Retenção de material sólido em São João, inauguradas a 14 de Setembro de 2013, que custaram 2.750.000€. A 23 de Setembro de 2013, o Governo Regional assinava um novo contrato de serviços com o IST no valor de 395.000€ para o segundo Estudo de Avaliação do Risco de Aluviões na Ilha da Madeira- Fase II, com entrega prevista para Outubro de 2016 mas que nunca ocorreu.

Tendo em conta que o Verão é tempo propício a obras, decidi observar o que se constrói antes de terminados os estudos, vício enraizado na região que fomenta o silêncio das barracas. A primeira ribeira em sorte foi a de São João e já estou a escrever quando pensava num artigo sobre todas as ribeiras. Medonho! O vão intermitente, na dimensão ao longo do trajecto, parece pedir à água que um dia passe em torrente violenta para ser projectada nalguma curva acentuada após uma recta. Vi 20 milhões em betão que segura a estrutura de canalização da ribeira, aceitável em nome da salvaguarda de vidas e bens.

Chegado à zona que já presumia ser a pior, entre o Campo do Andorinha e a última Estrutura de Retenção de quatro, fiquei siderado. Uma máquina “entretinha-se” a construir uma enorme muralha de pedra empilhada no lado mais exposto da curva da ribeira, após a última Estrutura de Retenção colocada sem assentamento fixo visível. A maioria das pessoas perceberá que as primeiras chuvadas, dignas desse nome, provocarão a erosão da base do talude e a muralha de pedras soltas desabará como um castelo de cartas. Eu gostava muito de ver o estudo de engenharia e estabilidade geológica. Na outra margem, a liberdade das águas com as terras soltas é total, penso que aguardam pelo crescimento de uns loureiros para segurar.



Então pensemos, construíram 4 Estruturas de Retenção para acolher todo tipo de inertes, entulhos e árvores para que não cheguem ao Funchal e depois delas o bicho homem, engenheiro ou governo, promove justamente uma “feira de libertinagem” de inertes, entulhos e árvores? A ribeira não deveria ser canalizada pelo menos até à última Estrutura de Retenção (a mais perto do Funchal)? Não seria intelectualmente expectável que para baixo das Estruturas de Retenção não existisse material sólido? Tanta preocupação com a hidráulica nas ribeiras da baixa do Funchal para justificar o revestimento das paredes de basalto e agora vejo isto?

Creio haver muitos críticos das obras do Jardinismo que, depois de assumirem novos cargos, se remeteram a um estranho silêncio. Já não falam nas verbas exorbitantes enterradas no betão da canalização das ribeiras de Santa Luzia, de São João e da Ribeira Brava? Já não falam dos problemas hidráulicos da junção das fozes? Já não falam na perigosa instabilidade geomorfológica dos taludes a montante? Já não falam sobre as dúvidas científicas se a canalização desenfreada vai aumentar a velocidade de escoamento para valores incontroláveis com consequências imprevisíveis? Agora, ou não querem pensar ou assinam de cruz numa terra que nunca encontra responsáveis por erros e desastres. Fica claro que os pareceres técnicos para nada valem perante os objectivos pessoais ou políticos.

Se troar saiba que são Rolling Stones.

Diário de Notícias do Funchal
Data: 08-07-2017
Página: 27
Link: The Rolling Stones

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