A ARTOP - Aero Topográfica Lda., fundada em 1951, com sede em Lisboa, é a mais antiga empresa portuguesa em actividade no ramo da geo-engenharia. A sua ligação com a história da aviação, tem precisamente a ver com a utilização de meios aéreos para a realização de estudos topográficos e cartográficos do território nacional.
Desde 1949 que a companhia inglesa Aquila Airways Ltd. operava voos comerciais de passageiros ligando Southampton (Reino Unido) ao Funchal via Lisboa, usando para o efeito hidroaviões Shorts Hythe, Sandringham e Solent. A rota era subsidiada pelo Governo Português através da sua companhia aérea nacional TAP (Transportes Aéreos Portugueses), pelo facto desta não possuir hidroaviões na sua frota e também não existirem na Madeira pistas apropriadas.
Face ao elevado custo destes subsídios e o fraco serviço prestado aos passageiros pela Aquila Airways, em 1958 o Governo Português decidiu iniciar os trabalhos preparatórios para a construção de um aeroporto na ilha da Madeira. Logo que o projecto do aeroporto foi conhecido, a Aquila, que na altura já estava com dificuldades financeiras, decidiu pedir um aumento dos subsídios .
Até à finalização da construção do aeroporto, não restava ao Governo Português uma das três hipóteses:
1 - Aceitar o pedido da Aquila, mantendo a operação já existente;
2 - Terminar o transporte aéreo para a Madeira;
3 - Fazer os TAP assumir a linha da Madeira utilizando hidroaviões que não possuía.
O Governo optou pela terceira solução e não estando os TAP à altura de cumprir os objectivos, acabou por aceitar a proposta de um dos seus pilotos, Comandante Durval Ferreira Mergulhão, na altura sócio da companhia ARTOP - Aero Topográfica Lda., de que a mesma estaria interessada neste projecto.
Aprovada a concessão desta linha à ARTOP, começou esta empresa a procura de aeronaves aptas para uma ligação de qualidade entre Lisboa e o Funchal.
A primeira hipótese - compra de hidroaviões à Aquila Airways - foi colocada de parte devido à baixa fiabilidade e a problemas de operação em condições de mar agitado.
Na altura, as opções disponíveis eram os hidroaviões Consolidated PBY Catalina, Martin JRM Mars e Martin PBM Mariner.
Após profunda análise, a escolha recaíu no modelo Martin PBM 5 Mariner, sendo a aprovação oficial dada a 25 de Junho de 1958. Ponderados pós e contras da conversão para versão civil, constatou-se ser benéfico para a economia do país, os trabalhos serem efectuados pelas OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em Alverca, cabendo à Direcção Geral de Aeronáutica Civil, a respectiva fiscalização com vista à emissão do Certificado de Navegabilidade dos aviões.
Foi escolhida a empresa Surex Trading of North Bergen, sedeada em New Jersey, como intermediária para aquisição dos hidroaviões. O objectivo fundamental era encontrar aeronaves com pouca ou nenhuma corrosão. Doze aviões foram inspeccionados e finalmente dois foram seleccionados: um em Filadélfia e outro em San Diego, ambos Martin PBM 5 Mariner, excedentes da Marinha Norte Americana, fabricados em 1944.
O primeiro hidroavião que seria baptizado "Madeira" com matrícula portuguesa CS-THA, chegou a Portugal a 26 de Agosto, ostentando matrícula civil americana N10162. O segundo que seria baptizado "Porto Santo" com matrícula portuguesa CS-THB, chegou a 4 de Setembro, ostentando matrícula civil americana N7824C.
Após terem chegado a Portugal, os dois hidroaviões foram sujeitos a pequenas modificações com a finalidade de os preparar para transporte civil de passageiros. Todo o seu equipamento militar foi retirado, sendo feito um reforço nos painéis de insonorização. Oito janelas foram alargadas e outras doze modificadas para que pudessem abrir. Foram acrescentadas confortáveis cadeiras para passageiros bem como bagageiras.
A tripulação mínima para este equipamento na sua versão civil consistia em dois pilotos e um operador de rádio, podendo transportar até 41 passageiros.
O CS-THA ficou pronto a 26 de Setembro. Apesar de todos os testes de voo e operacionalidade terem sido considerados positivos, o certificado definitivo previsto para 1 de Outubro, só foi emitido no mês seguinte.
Hidroavião "Madeira" CS-THA preparando-se para amarar na zona de Cabo Ruivo, Lisboa |
A viagem inaugural para o Funchal com o hidroavião "Madeira" foi no dia 1 de Outubro, com 19 individualidades a bordo para além da tripulação. Transportou ainda 121 kg de correio e demorou 3 horas e 15 minutos para completar o trajecto.
Frota da ARTOP (ilustração Eugénio Santos)
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O CS-THB completou a sua reconversão a 2 de Novembro, tendo o seu voo de ensaio revelado dois problemas menores, corrigidos de imediato. A 8 de Novembro o seu Certificado de Navegabilidade foi emitido pela DGAC.
A 9 de Novembro o CS-THB “Porto Santo” foi escalado para realizar um voo à Madeira com saída de Lisboa pelas 7h00. Perante as más condições meteorológicas na Madeira, o voo foi adiado, tendo o hidroavião partido rumo ao Funchal pelas 12h23, com uma tripulação de 6 elementos e 30 passageiros.
Pelas 12h30 o comandante estabeleceu contacto com o centro regional do continente, tendo solicitado às 12h40 alteração da altitude de voo de oito para seis mil pés. Às 12h47 as comunicações em rota foram efectuadas por código morse, estimando a passagem pelo meridiano dos 13º Oeste às 14h07. No entanto às 13h21 o centro regional do continente recebeu também em código morse uma mensagem de emergência informando “Amaragem Imediata”. Não foi recebida qualquer nova transmissão da aeronave nem resposta a tentativas de contacto efectuadas. Buscas infrutíferas por aviões civis e militares incluindo o outro Mariner da ARTOP até 14 de Novembro não revelaram qualquer vestígio do CS-THB “Porto Santo”.
A 10 de Novembro, um dia após o acidente, foi nomeada uma Comissão de Inquérito pela Direcção Geral de Aeronáutica Civil, liderada pelo Tenente-Coronel Carlos Beja, então director do Aeroporto de Lisboa. Sem sobreviventes, testemunhas, nem destroços para analisar, poucas eram as hipóteses desta Comissão. Sem evidências claras a Comissão de Inquérito foi inconclusiva em relação às causas deste acidente, apontando para a falha simultânea dos dois motores como causa provável no seu relatório final a 18 de Fevereiro de 1959.
A 12 de Novembro de 1958 a ARTOP anunciava o final dos seus serviços entre Lisboa e o Funchal. Nesta data ironicamente foi emitido o certificado oficial do CS-THA "Madeira", mas apesar disso a ARTOP decidiu-se pelo seu desmantelamento, voltando assim à sua missão inicial e abandonando de vez o negócio do transporte aéreo de passageiros.
Como apontamento final, uma história que não chegou a fazer história:
A 20 de Dezembro de 1958, três hidroaviões Shorts S.45 Solent, que tinham pertencido à Aquila Airways, voaram para Lisboa, à conta de um grupo financiado por um açoriano Augusto d'Athayde Corte Real Soares de Albergaria, que tinha constituído uma empresa, 15 dias antes, a 5 de Dezembro, designada por Aerovias Aquila Lda.. Esta nova empresa solicitou ao Governo Português autorização para operar os hidroaviões na rota da ARTOP, que nunca seria concedida.
Assim sendo os três hidroaviões "Awatere" G-ANYI, "Aotearoa II" G-AOBL e "Southampton" G-AHIN, acabaram por apodrecer e ser desmantelados em 1971 na Gare Marítima de Cabo Ruivo.
Referências:
Livros
"A Aviação na Madeira" edição Força Aérea Portuguesa/By The Book - 2010
"Transportes na Madeira" edição Direcção Regional dos Assuntos Culturais - 1983
Sites de interesse:
Texto redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
Eugénio Santos - Novembro 2018
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