Perspectivas angulosas

PERSPETIVAS ANGULOSAS DE DEMOCRACIA
OU
A TIRANIA DA MEDIOCRIDADE

Graça Gouveia

É um facto que hoje todos nós nos assumimos como democratas, até porque ficaria mal se disséssemos o contrário. Ser democrata ou não, no entanto, não é uma questão de palavras, mas de atitude e de consciência. Isto torna-se mais evidente aquando do desempenho de um qualquer cargo hierárquico seja numa empresa, numa instituição ou no governo. A forma como um chefe se comporta na relação com os colaboradores denuncia os seus fundamentos e crenças mais profundos.

Ser democrata, como sabemos, pressupõe um caráter assente em valores como a liberdade, a justiça, a solidariedade e o respeito, assim como um espírito aberto à divergência e à mudança, condições indispensáveis para o desenvolvimento das pessoas e da própria sociedade. E uma coisa é certa: não há maior ameaça para a democracia que alguém com certos complexos de afirmação e com obsessão pelo poder no topo de uma qualquer hierarquia.

Convém, no entanto, distinguir a obsessão pelo poder e o amor à causa pública ou a uma função. Aquela resulta de muito calculismo e inconsciência ética, tendo como principal foco os seus interesses e a sua projeção social; este assenta na vontade de contribuir de forma ativa para o bem e o desenvolvimento de todos.

Na dinâmica executiva, é facilmente percetível um falso democrata, daquele que o é verdadeiramente. A principal diferença faz-se sentir no tipo de relação que ambos estabelecem com a equipa de colaboradores. Com o primeiro, ela é do tipo vertical e autoritário, onde se faz sentir, muitas vezes, a falta de respeito e se recorre a represálias, num processo maquiavélico de anulação pessoal. Ao contrário, com o segundo, ela do tipo horizontal, onde o diálogo e o respeito cadenciam a interação.

Infelizmente, muitos chefes não conseguem entender que o desempenho de qualquer cargo significa apenas a prestação de um serviço, pago por todos nós, embora com diferentes responsabilidades e obrigações, sendo que destas, a principal é respeitar todos, mesmo aqueles que discordam deles porque o pluralismo é um valor fundamental da democracia e promotor de desenvolvimento. No entanto, vemo-los em todos os setores da sociedade - pequenos e múltiplos focos de ditadura à escala de cada posto, que minam e envergonham a democracia!

Não é por acaso que se verifica como que uma relação inversa entre inteligência e competência versus obsessão pelo poder e autoritarismo. Uma pessoa inteligente, com uma mente desobstruída e amplitude espiritual sabe ser autoridade sem ser autoritária e não vive subjugada pela ideia de pódio. Até porque, quem está seguro das suas capacidades, não precisa de poleiro para ser poder, para tal basta ter consciência e coragem! Já quando as condições são as opostas, existe essa fixação.

Além disso, é sintomático que estas pessoas, as dependentes de andas hierárquicas, evidenciem uma certa dualidade na relação que estabelecem com os seus superiores hierárquicos e a que mantém com os seus colaboradores imediatos. A interação é totalmente oposta, sendo que, com os primeiros, ela se pauta pela total subserviência do típico lambe-botas; já com os segundos, é feito o contraponto através da arrogância e do desrespeito, numa lógica medievalista de quem se sente a gerir o seu feudo e os seus vassalos, a qual não reconhece dignidade aos outros e procura descartar os mais lúcidos. Este quadro, embora em menor escala, é o mesmo que o de qualquer regime fascista!

A democracia está implantada em Portugal há 45 anos, mas continua minada por esta categoria de indivíduos que estão instalados em todas as organizações setoriais, embora com maior expressão no funcionalismo público.

São eles que contribuem para o atrofiamento do país, porque são incapazes de acolher novas ideias ou de reconhecer a competência daqueles, cujas capacidades e integridade, possam não convir à mediocridade do status quo legitimada pela do chefe.

Como consequência, o seu desempenho é marcado pelo imobilismo decorrente da falta de diálogo e de humildade para questionar o que está a ser feito, e, consequentemente, ponderar novas linhas de ação. Opta-se, então, por manter rígida e eternamente a estrutura funcional, assente numa rede humana instalada nos lugares estratégicos, composta por amigalhaços, pessoas alheadas e/ou com receio de represálias, que perpetuam o seu poder. Nesta estrutura, dispensa-se qualquer capacidade de reflexão ou de análise, as quais poderiam comprometer a dinâmica viciada da organização. E tudo e todos permanecem eternamente nos seus lugares, agindo sob o compasso do suserano, ainda que os resultados obtidos sejam vergonhosos! Como justificação, apontam-se fundamentos sistémicos, quando, na verdade, a causa se situa a nível da estrutura e não do sistema!

Estes são alguns dos graves problemas da sociedade portuguesa – o imobilismo funcional das organizações e chefes obtusos, apadrinhados ou  eleitos por questões de simpatia e de conveniência por parte de certos grupos de beneficentes. E são tantos! Mesmo com canudos com elevadas classificações, mas tão pobres!

É indubitável que em Portugal os cargos, em geral, são atribuídos não com base em critérios meritocráticos, em termos de competência e qualidade de desempenho, mas por compadrio assente num qualquer tipo de afinidade que poderá ir desde a cor política à consanguínea! Também é óbvio que inteligência e sentido ético, dificilmente, são toleráveis nestes contextos, pois representam uma ameaça num qualquer charco. E um dos grandes problemas de Portugal situa-se aqui. Não tenho dúvidas de que o nepotismo que se instalou na sociedade portuguesa, e com maior acuidade na Madeira, contribui para o elevado índice de corrupção e a falta de desenvolvimento da sociedade, assim como perpetua os múltiplos focos de tirania. que se fazem sentir no silêncio das fragilidades de qualquer profissional dependente. E isto é tanto mais grave quanto é ignorado pelas estruturas superiores em nome da conveniente paz entre
amigalhaços!

Enquanto Portugal tiver os seu destino assente nas mãos de uma rede de padrinhos e apadrinhados e determinadas funções forem monopólio vitalício do amigalhaço x ou y, ainda que ele não tenha o melhor desempenho nem competência, o país continuará em desnorte e a democracia será apenas um vislumbre.
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