Camiões na Madeira - As Primeiras Décadas

Como vem sendo meu apanágio nos artigos sobre a história dos transportes, a imagem é o factor preponderante. E lá diz o ditado: "uma imagem vale mais que mil palavras".
Assim sendo vamos mergulhar numa espécie de museu virtual, máquina do tempo digital, capaz de abrir portais de épocas esquecidas.

Após demoradas pesquisas, passadas com arte e engenho pelas "ferramentas photoshópicas", deixo-vos mais um capítulo da história dos transportes no arquipélago madeirense, desta feita dedicado aos veículos automóveis pesados de carga, vulgo camiões.
A história dos camiões na ilha da Madeira começa com contornos de alguma neblina. Sendo um transporte desconhecido na ilha os primeiros registos oficiais têm lacunas que suscitam dúvidas, em grande medida pela escassez de dados técnicos específicos de cada viatura.

Após observação da listagem de registos automóveis, surge no início de 1916, como primeiro candidato a veículo pesado de carga, marca italiana FIAT matriculado M-87, propriedade da Empreza Ribeirabravense.

Só quatro anos depois, em 1920 voltam a surgir registos de veículos pesados, com dois modelos importados dos Estados Unidos: um "U.S. Motor Truck" e um "International/Mack".
De notar que o conceito de "veículo pesado" foi incrementado ao longo do tempo. Se no início do Século XX,  2.000 kg de peso bruto era característica de pesado de carga, mais para o final a fasquia passou para os 3.500 kg.

A primeira maior frota de camiões da mesma marca, coube à firma William Hinton & Sons, que em 1924 dispunha de dez Albion modelo A10 de fabrico britânico.

Em termos estatísticos de 1916 a 1924 por marcas:
1 Garford (Estados Unidos)
1 U.S. Motor Truck Company (Estados Unidos)
1 International (Estados Unidos)
8 FIAT (Itália)
16 Albion (Inglaterra)

A partir de 1925 há um incremento na importação de camiões, que se mantém até 1939, com as marcas americanas em grande destaque. Chevrolet, Dodge, Fargo, Federal, Ford, GMC, International, REO, Stewart, Studebaker e Willys deram às ruas do Funchal um ambiente automobilístico americanizado.

Neste período as marcas de camiões europeus como Austin, Bedford, Berliet, FIAT, e UNIC tiveram uma presença pontual pouco expressiva.
Com o eclodir da II Grande Guerra as importações de automóveis estiveram praticamente paradas, tendo sido retomadas a partir de 1946.

Apesar de por um lado as guerras terem sido acontecimentos nefastos para a humanidade, por outro trouxeram evolução tecnológica.

No caso dos camiões, as inovações introduzidas ao nível da performance mecânica e aumento da capacidade de carga, reflectiram-se no período pós-guerra, no comércio e na indústria.

A utilização de produtos petrolíferos requeria o seu transporte, pelo que também tivemos a circular pelas estradas da ilha diversos modelos de camiões cisterna.

Os bombeiros também passaram a usar os camiões desde que estes surgiram no mercado. Para as suas missões os camiões dos bombeiros foram adaptados com carroçarias especiais, permitindo o transporte de água, escadas, mangueiras e outros equipamentos úteis.
Ao nível da estética, praticamente desde a primeira hora que o motor dos automóveis foi colocado na frente do chassis, coberto por um capô. À frente do motor era montado o radiador que recebia uma moldura característica com grelha que permitia a passagem de ar. A forma da grelha do radiador associada com os respectivos emblemas tornou-se imagem de marca de cada fabricante automóvel.

Até aos anos 50 do Séc. XX, os camiões a gasolina ou a diesel seguiram as mesmas directivas de estética dos veículos ligeiros, com o motor na frente seguido pela cabine de condução. A partir dessa data começaram a surgir os modelos de cabine avançada, montada sobre o motor.

Excepção a esta tendência foram os camiões a vapor que no início do Séc. XX eram dotados de cabine avançada. Porém, este tipo de veículo nunca foi utilizado no arquipélago da Madeira.

De notar que na história da camionagem existiram e existem marcas que romperam com as tendências estilísticas de determinadas épocas. Principalmente nos Estados Unidos, em pleno Séc. XXI continuam a produzir-se grandes camiões com motor na frente e cabine recuada.
 Na ilha da Madeira é de salientar que no período pós-guerra, as marcas de automóveis europeias ganharam popularidade. Austin, AEC, Bedford, Commer, Guy, Leyland, MAN, Mercedes-Benz, Morris Commercial, Seddon são disso exemplo.

Marcas como a Scania e a Volvo ganham mais expressividade a partir da década de 60 do século XX, mas isso será outro capítulo desta história.
De salientar que a ilha do Porto Santo desde longa data sofreu com a dupla insularidade. Assim sendo a sua rede viária começou a ser melhorada a partir de 1960, depois da construção do aeroporto.
Antes os diversos locais desta pequena ilha eram ligados por veredas e caminhos de terra batida, muitos deles em mau estado de conservação.

Como a ilha só passou a dispôr do porto de abrigo a partir de 1984, até essa data todos os veículos eram descarregados na praia, com apoio de rampas construídas provisoriamente com areia.

Os camiões que foram para o Porto Santo a partir do final dos anos 50 do Séc. XX, no geral eram veículos já bastante usados. Como esta ilha tem uma orografia menos acentuada que a Madeira, os camiões ainda prestavam serviço mais uma série de anos. O mesmo se aplicava aos autocarros e outros veículos comerciais. Nas últimas décadas do Séc. XX o Porto Santo parecia uma "ilha museu" tal a quantidade de veículos antigos ainda em circulação.

Bibliografia:
MILLER, Dennis, (2003), “The Illustrated Encyclopedia of Trucks and Buses”, London, England, Quantum Publishing, 320p.
NAPPO, Donato, Stefania Vairelli, (2006), “Design de Viaturas - A evolução do design dos veículos de estrada”, Seixal, Lisma - Edição e Publicação de Livros, 224p.
SIMÕES, Álvaro, Jorge Sumares, Iolanda Silva, (1983), “Transportes na Madeira”, Funchal, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 242p.
Arquivo Regional da Madeira - Arquivos diversos da Direcção dos Serviços Industriais, Eléctricos e de Viação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, referentes a processos de registo de veículos automóveis (DSIEV 1561, DSIEV 887, DSIEV 888)

Texto redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
Imagens tratadas digitalmente com Adobe Photoshop
Eugénio Santos - Janeiro 2019


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