TPC

Se a escola não consegue resolver a aprendizagem

durante tantas horas,

quem está errada é a Escola, não a criança!


"As crianças e jovens são cidadãos de pleno direito. E a brincadeira e os jogos fazem parte não só da sua atividade quotidiana, como são elemento central para o seu desenvolvimento e processo de socialização. Como tal, a escola (pública ou privada) deve fazer com que se cumpra esse "direito ao ócio e ao desporto", tendo por dever organizar as atividades de aprendizagem de forma a que não ponham em causa esse direito dos alunos à participação na vida social e familiar. Esta petição propõe, assim, que regule os trabalhos de casa por lei, com o fim de reconhecer o direito das crianças disporem de tempo livre e de garantir que as tarefas que desempenham na escola respeitam o tempo e as necessidades dos estudantes".


Este o texto da petição lançada pela TVI e que pode ser assinada AQUI.
Não se trata de um tema novo. Há muito que este assunto tem vindo a ser equacionado, desde professores a psicólogos, passando por pais e médicos pediatras.

Retorno a Bernard Shaw (1856/1950) que escreveu: "(...) Não paramos de brincar porque envelhecemos; envelhecemos porque paramos de brincar. Espera-se que esta seja uma instrução para cumprir. Atrevam-se a cumprir e são os miúdos que ficam a ganhar!”.

Aliás, esta matéria está regulamentada em muitos países. Portugal é dos poucos que, infelizmente, tem deixado o marfim correr, com acrescidos custos (por várias razões) no desenvolvimento motor, cognitivo e bem-estar das crianças. A cultura portuguesa está, ainda, marcada pela ideia formada durante dezenas de anos, onde a boa escola deveria ter, obrigatoriamente, os TPC. E o drama, perante a apatia dos governantes, foi-se agravando. Não bastou o aumento substancial do currículo e dos programas, o número de horas passadas na escola onde se incluem, com esta ou outras designações, as "aulas de enriquecimento curricular", o número de horas de oferta educativa fora do estabelecimento (em todas as áreas, da música à dança, do desporto às várias academias), ainda por cima, a escola, continua a sobrecarregar com uma catrefada de trabalhos a realizar em casa. Dizem os adultos que o objectivo se centra na consolidação do "aprendido"!  Pura ilusão, pois ninguém aprende com trabalhos de casa. E tanto assim é que, felizmente, em muitos estabelecimentos de aprendizagem essa prática já foi banida. Um dos exemplos foi o da Escola do Curral das Freiras, que teve orientação do Professor Joaquim Sousa, estabelecimento onde não marcavam TPC não tendo isso impedido a obtenção de resultados que a distinguiram no plano nacional.

"Mais trabalho não significa melhor trabalho, da mesma forma que mais escola não significa melhor escola."

Recordo um texto que aqui publiquei em 2016: "(...) Inevitável. Começou em Espanha e, certamente, vai alastrar. "A Confederação Espanhola de Associações de Pais e Mães de Alunos (Ceapa), que representa cerca de 12 mil associações, instou as famílias das várias comunidades autonómicas espanholas a recusarem-se a fazer (...) os trabalhos de casa pois "invadem o tempo das famílias" e "violam o direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas atividades artísticas e culturais", tal como vem descrito no artigo 31º da Convenção dos Direitos da Criança". (...) "Também queremos que o modelo mude e que se dê um salto qualitativo no sistema educativo. Escolas de outros países funcionam sem trabalhos de casa, sem livros de texto e sem exames e obtêm resultados magníficos". Vou mais atrás, a 02 de Setembro de 2009, vai para dez anos, na Assembleia Legislativa da Madeira, apresentei uma "proposta de Decreto Legislativo Regional que visava aprovar o regime jurídico do sistema educativo regional". No Artigo 13º, nº 14 e 15, sugeri:
"(...) No 1º e 2º ciclo do ensino básico estabelecem-se, globalmente, os seguintes tempos relativamente aos designados trabalhos para casa (TPC):
a) No 1º e 2º ano do 1º ciclo não são permitidos;
b) No 3º ano do 1º ciclo as tarefas não podem exceder os 20 minutos (...)"
Nas alíneas seguintes foram considerados tempos semanais crescentes e moderados. A proposta foi apresentada como um ponto de partida, não como ponto de chegada, portanto, como primeiro passo para uma discussão séria. O meu desejo centrava-se na eliminação total dessas tarefas em todo o Ensino Básico. Confesso que tive receio, no primeiro momento, em ir mais longe, pelo conhecimento que tinha da cultura vigente. 

Procurei dar um primeiro passo no sentido da aprovação do diploma na generalidade e, na discussão em sede de especialidade, debater, profundamente, tendo em vista a sua eliminação. A proposta foi chumbada pela maioria PSD. Lamentei e continuo a lamentar o chumbo a uma proposta que me levou cerca de dez meses a produzi-la, pela extensão do diploma, pela necessidade de comparação com outros sistemas educativos e pelas incontáveis reuniões pessoais que mantive com professores, sindicatos, associações de pais e juristas. Só os partidos da oposição entenderam que se a escola não conseguia resolver a aprendizagem durante tantas horas, quem estava errada não era a criança, mas a escola!

Finalmente, volto a deixar aqui uma síntese de um texto que publiquei, também em 2016: "(...) Maria José Araújo, pertence ao Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto. Em um dos seus estudos concluiu que "uma criança pequena em idade escolar trabalha em média nove horas por dia, o equivalente ao trabalho profissional de vida de um adulto". (...) "Essas nove horas são sempre em função da matéria escolar. E mais: há pessoas que, quando eles têm um comportamento menos próprio, ainda os castigam com contas e cópias e fazer isto é o mesmo que dizer-lhes que o conhecimento é uma chatice". (...) "Os adultos trabalham sete horas e meia e chegam ao fim cansados. Levam trabalho para casa? Não levam!" (...) "há mais de 20 anos que se denuncia este excesso de trabalho e os consequentes malefícios físicos, psicológicos e morais para as crianças". Leio: Os Trabalhos para Casa (TPC) de Catarina, sete anos, mudaram a vida de Vanda que deixou de ter actividades com os dois filhos e amigos após o trabalho, para chegar a casa o mais rapidamente possível para a criança, diariamente, "escrever, por extenso, 30 números, duas ou três cópias, escrever três vezes uma determinada tabuada e ainda duas frases do dia, por exemplo". (...) "Um exagero. Entrava na escola às 09:00, chegava a casa às 18:00 e ainda ficava uma hora, uma hora e meia a fazer trabalhos. Às vezes eram dez da noite e a miúda a fazer trabalhos". Alguém de bom senso pode aceitar uma situação destas? (...)".

Há que romper com este círculo vicioso: tudo tem origem em um sistema que sobrecarrega com uma desmesurada carga curricular e programática; professores que querem resultados porque estão sujeitos a uma inaudita avaliação de desempenho; pais que olham angustiados para o acesso à universidade; uma sociedade que quer qualidade mas não sabe como lá chegar, com políticas a montante da escola; políticos que quando percepcionam menos boas prestações nos testes internacionais, não procuram as causas, antes sobrecarregam com mais horas nas alegadas fragilidades e o aluno, desde início, anda nesse círculo vicioso, cada vez com maior aceleração, puxado pela "trela" do adulto, em clara secundarização de uma infância que não volta. É por isso que a ansiedade é cada vez maior, tal como escreveu, nas colunas do DN, a Psicóloga Manuela Parente: "(...) Uma jovem de 16 anos, considerada excecional pelos seus professores, disse-me uma vez, após ter tirado nota 20 à disciplina de Matemática, que não se sentia feliz, apenas tinha tirado a nota para a qual se tinha preparado". Sublinho, "NÃO SE SENTIA FELIZ". Porquê? 
Ilustração: Google Imagens.
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