Populismo


O populismo, no que corresponde a um acentuar da radicalização da demagogia, do oportunismo, da simplificação, tudo faz para apelar ao inconsciente e aos sentimentos irracionais. Chega ao coração de tanta gente tocando a atitude emocional das massas.

Esse mal da democracia, o populismo, não se circunscreve e uma categoria moral para condenar um discurso ou prática. É muito mais do que um juízo aplicado a determinadas declarações que pretendam satisfazer as preferências do auditório, sem a preocupação quanto à coerência da palavra proclamada, para além da sua intenção sedutora.

O momento populista reporta-se a uma situação histórica e é uma lógica, é uma forma mais do que um conteúdo. O populismo é uma lógica política que não se compreenderá à margem dos contextos da crise na atualidade, e que atravessa a sociedade e as estruturas democráticas. Como lógica política legitima-se na vontade do poder-pelo-poder e da acção pela acção.

A instrumentalização política do populismo faz-se valer da retórica “anti sistema”. Alguns dos seus protagonistas cultivam o discurso do político que pretende ser contra a política, ampliam o argumento maniqueísta do elogio dos cidadãos que intervêm politicamente para abominar a política e que dizem “não ser políticos”.

Aliás, como forma de construção política, o populismo alimenta-se da simplificação do discurso, assenta «num léxico empobrecido e numa sintaxe elementar de modo a limitar o desenvolvimento dos instrumentos do raciocínio complexo e crítico»[1].

O populismo abdica dos princípios, visões e ideias, trocando-os pelas conveniências circunstanciais. O populismo renuncia a um pensamento sistemático, dispensa qualquer coerência doutrinal, rege-se pelo pragmatismo, pelas boas graças da chamada “opinião pública”, pelo que está na moda.

A simplificação do discurso supõe que seja só tida em conta a eficácia da comunicação e a certeza de que terá acolhimento fácil na opinião pública, mesmo que à margem dos reais conteúdos da matéria em causa. Desde que alcance os objectivos ambicionados, de pouco importa nessa lógica política o rigor da informação veiculada, a robustez dos argumentos na opinião publicada ou as bases das teses dos comentadores. Importam os fins que se pretendem atingir e a quem é imperioso agradar.

A Cidade deixa-se assim arrastar pelo «intruso populista»[2], como bem foi classificado, comportando sempre para a democracia uma dimensão maldita. Essa forma de fazer a política corresponde a uma involução, ou seja, instaura uma profunda regressão democrática.

As dinâmicas populistas tendem para o suicídio das democracias e sinalizam, através dos seus excessos, o quanto o espírito democrático está anémico. «Os regimes democráticos do Ocidente estão doentes porque, atrás da fachada dos rituais, observados com maior ou menor fidelidade, violam os próprios princípios da democracia»[3].

As crises do sistema político e económico não só abriram espaço para o populismo[4] como tornam prevalecentes as estratégias populistas e a sua hegemonia atual. E embora não sejam a sua única causa e se tratem de conceitos e processos que não podem ser confundidos, com o discurso populista recriam-se as condições e os ingredientes propícios à ascensão do neofascismo.

No contexto dos disfuncionamentos sociais e da crise económica, porque alavancados pelo momento populista, porque «o protofascismo baseia-se num populismo qualitativo»[5], emerge o fascismo como uma forma de comportamento político[6]. Não se trata do regresso ao fascismo dos anos trinta ou quarenta. Não se trata da implantação de um regime político, mas antes de um regime que, convivendo com a democracia formal, se reporta a um regime social e civilizacional.

Todo o atiçar de ódios e o culto do ressentimento através do desdobramento da cartilha de Salazar e do fascismo no seu discurso antipolíticos, anti partidos e de um anticomunismo rancoroso, tiveram nos meios de comunicação social o mais amplo destaque, dando voz mais eloquente a quantos se apresentassem como a expressão da voz do Povo e a vontade do Povo.

A aclamação/proclamação que, para o fascismo histórico, era operada a partir do Estado, desloca-se definitivamente para os meios de comunicação de massas, configurando aquilo que Guy Debord chamou de “sociedade do espetáculo”[7].

É a emergência de um novo fascismo que está em causa. É um movimento que alastra à escala global, por vezes de forma difusa ou organizada, incipiente ou evidente, mas presente e lutando pela sua implantação[8].

Aproveitando o jogo que oferece a própria democracia, o neofascismo move-se sob estruturas formalmente democráticas. Como afirmou Umberto Eco, o protofascismo ainda está à nossa volta, às vezes à paisana, «o Ur-Fascismo ainda está a nosso redor»[9].

O que está em causa é uma guerra ideológica com significativo alcance político e cultural, é um fenómeno que importa interpretar e combater, um processo dialético, num debate contemporâneo fundamental, pela justiça que se há-de fazer.



[1]  U. ECO, A nebulosa fascista in Folha de São Paulo, 14/05/1985.
[2] Cf. J. ALEMÁN, G. CANO, Del desencanto al populismo, Encrucijada de una época, Ned Editores, Barcelona, 2017.
[3] C. JULIEN, O suicídio das democracias, Ed. Artenova, Rio de Janeiro, 1975, 134.
[4]Cf. J. L. VILLACAÑES, Populismo, La Huerta Grande, Madrid, 2015. O autor apresenta uma importante reflexão sobe a relação intrínseca que existe entre a crise capitalista e o populismo, como se fosse um ulterior discurso reativo às implicações do neoliberalismo.
[5] U. ECO, A nebulosa fascista in Folha de São Paulo, 14/5/1995.
[6] Cf. R. O. PAXTON, Anatomia do fascismo, Paz e Terra, São Paulo, 2007, 358-359.
[7] Cf. G. DEBORD, A sociedade do espetáculo, Antígona, Lisboa, 2012.
[8] Cf. N. CHOMSKY, I. RAMONET, Neofascismo, Ed. Capital Intelectual, Paris, 2017.
[9] U. ECO, A lição de Umberto Eco contra o fascismo eterno in Carta Maior, 19/11/2009.
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3 comentários:

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