O Brasil aqui tão perto

Desde que me conheço, considero que a esquerda tem uma certa “superioridade moral” sobre a direita, porque esta considera que a riqueza criada é sua, ao passo que a esquerda defende que a riqueza criada deve ser mais equitativamente repartida por todos os que contribuíram para a sua criação. A esquerda considera o Estado Social, como forma de “nivelar” e contribuir aos vários níveis para possibilitar aos mais “frágeis” uma vida digna. A direita considera que não tem de pagar com os seus impostos a saúde, a educação de ninguém e cada um que trate de si. A direita quer tudo desregulado, vigora a lei da oferta e da procura a todos os níveis, desde o trabalho, dos bens de primeira necessidade, até às viagens aéreas. (por isso, não entendo porque se queixa da TAP o neoliberal Albuquerque).

Essa “superioridade moral”, para que não se perca, exige, uma praxis coerente e consistente, para possibilitar aos eleitores uma efetiva alternativa entre dois modelos distintos. Quando a esquerda abdica da sua lógica identitária e prossegue, por puro oportunismo ou tacticismo, políticas e práxis de direita, “entra por um cano” e cria simultaneamente uma “passadeira vermelha” à direita, que entra mais poderosa e triunfal do que era dantes. Foi assim na Inglaterra com Tony Blair, foi assim na Espanha com Filipe Gonzales, foi assim na Grécia com o PASOK. Não foi assim em Portugal, porque o PS voltou a empunhar as bandeiras tradicionais da esquerda e ofereceu uma alternativa real e consistente ao neoliberal Passos Coelho.

A direita, quando perde o poder, não aceita, nem se conforma. Do mesmo modo os monarcas absolutos, consideravam sê-lo por direito divino e demorou muito tempo, “deu um bocado de trabalho e algumas zaragatas” convencê-los do contrário. A direita não gosta de estar fora do poder, os negócios não correm tão bem, não pode contratar e despedir como e quando entende, aparecem uns “chatos” duns reguladores e duns fiscais. Mesmo quando não são detentores do poder político, são detentores de todos os outros, o financeiro, o económico, o tecnológico. Por outro lado, a direita tem um efeito afrodisíaco sobre os outros poderes, supostamente independentes. À sua mesa sentam-se o bispo, o chefe da polícia, o juiz, as mais altas patentes militares e académicas, porque a respeito de “costas”, coça-me as minhas que eu coço as tuas.

Quando a esquerda faz porcaria, como no caso do Brasil, a direita, privada do poder há 14 anos, respaldada pelo poder judicial, avança com toda a força, recorre a todos os meios sem se detalhar se são ou não legítimos, se são ou não legais. Isso são pormenores. Os fins justificam os meios (Maquiavel). Quem escreve a história são os vencedores.

Gostando ou não das personagens e da sua ideologia, independentemente de outras eventuais razões e culpas que possam existir, a destituição de Dilma Rousseff e a prisão de Lula da Silva foram uma farsa rasca, promovida por um ministério público corrupto, com o despudorado e vil apoio dum Congresso de opereta e a validação do juiz Moro do Supremo Tribunal, que, em conjunto, transformaram uma cabala em provas, fizeram leis à medida (ficha limpa) de forma a decapitar a alternativa de esquerda à presidência do Brasil. O mesmo Congresso votou quase em simultâneo, contra a destituição de Temer, impedindo desse modo que fosse arguido numa série de processos de corrupção e nepotismo.

Os golpes de estado estão fora de moda, estão obsoletos e por isso desnecessários. Já não é necessário tomar o poder com botas cardadas, basta de forma simples e eficaz capturar a justiça fabricando culpados ou inocentes ao sabor das necessidades, juntando a “nouvelle” e necessária dose de tecnologia, de forma maciça, mercenária e sem qualquer validação ou regra, onde “vale tudo” para “plantar” nos espíritos alvares (foi assim com Trump). Para quem tudo o que luz é ouro e tudo vale pelo seu valor facial, esta informação feita por encomenda é pintada com as cores necessárias de modo a produzir o efeito pretendido. É acriticamente assimilada, polos ignorantes, na ausência de qualquer cultura ou discernimento que permita filtrar ou validar a informação falsa, chegada por essa via.

Dilma teve o azar de ser uma criatura parda, sem carisma, no meio duma crise económica que baixou o preço das matérias primas, sustentáculo quase exclusivo das efetivas reformas realizadas por Lula da Silva, reformas essas que, entre outras medidas de carácter social, promoveu 30 milhões de pobres à classe média, medidas que a direita não perdoou porque eram lesivas dos seus interesses. A dependência quase exclusiva das matérias primas foi um erro, pois aconteceu o que acontece quando se colocam todos os ovos no mesmo saco. Nós por cá temos não um, mas dois sacos para os nossos ovos e que são conhecidos por “turismo” e “zona franca”, que para já suportam a nossa economia, mas tanto um como o outro são extremamente vulneráveis a qualquer mudança rápida de conjuntura, como aconteceu no Brasil.

Voltando ao Brasil, Bolsonaro, disse claramente ao que vinha, não enganou ninguém. Os mais otimistas julgavam que a eleição lhe iria moderar o discurso, mas é o que se vê. Para já, temos um ultraliberal, “Chicago boy”, Paulo Guedes como novo superministro da economia, que afirma querer aplicar ao Brasil a “receita” do Chile de Pinochet.  O juiz Moro, político e justicialista é o patrão, não só da justiça, como também das polícias. Os magistrados isentos, rapidamente serão “encostados às boxes”, qualquer crítica passará a ser um atentado ao estado, qualquer divergência será traição.

A liberalização das armas trará a política de “olho por olho e dente por dente”, serão apadrinhadas as milícias encarregues do “trabalho sujo” junto aos “sem terra” e aos demais opositores. Se necessário, Bolsonaro fabricará uma tentativa de golpe “à Edogan” e decapitará rápida e sumariamente toda a oposição. A liberdade de imprensa rapidamente irá “dançar” como aconteceu na Turquia e se depreende das recentes declarações que Bolsonaro proferiu a respeito de um jornal de S. Paulo.

Vem-me à memória o célebre e premonitório poema de Brecht:

“Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso, eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego também não me importei.
Agora estão me levando, mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.“
Bertolt Brecht

No Brasil, do igualmente fascista Bolsonaro, primeiro “irão” os “Ptistas”
Depois os sociais democratas
Depois os do centro-direita
Depois…

Os “coronéis” do Brasil profundo, a extrema direita e os novos neoliberais, de forma desabrida, apropriar-se-ão de toda a riqueza, incluindo a Amazónia. Quem tem memória e sabe ler, quem assistiu a “outros campeonatos”, passados e atuais, já sabe como isto acaba.

Ao contrário duma criatura horrorosa que nos governou, eu geralmente tenho dúvidas e engano-me com frequência. Neste caso espero sinceramente estar enganado, por que não me restam grandes dúvidas de que assim será. Oxalá que este seja apenas um texto catastrofista.
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