I
Quando tinha cerca de 7 ou 8 anos, veio morar para perto da
minha casa uma família com 3 filhos, 1 menino e 2 meninas. Eram pobres, tão pobres que o menino até usava saias ou
vestidos das irmãs.
A minha mãe pediu-nos para escolhermos
alguns dos nossos brinquedos para lhes darmos, pois aquelas crianças nunca
tinham tido brinquedos. Agarrei em todas as minhas bonecas e despedi-me delas
num canto do quintal. Enquanto falava às minhas bonecas, chorava e dizia-lhes como
iriam mudar a vida de outras meninas que até lhes iriam dar mais valor do que
eu, porque, na verdade, nunca gostei muito de brincar com bonecas. E assim foi…
e ao rapaz dei uma bola e uma harmónica.
II
Numa manhã, e enquanto conduzia
para deixar o meu filho na escola, ele falou-me sobre o “Zé”. O “Zé” era um
menino pobre, que usava sapatos maiores que ele e que já se encontram
esburacados e, então, os outros alunos da escola gozavam do “Zé”.
Diante esta narrativa, não
consegui dizer nada. Assim que o meu filho saiu e fechou a porta do carro, as
lágrimas correram-me espontaneamente pela cara. Faltavam poucos dias para as
férias de Natal. Nesse mesmo dia falei com algumas pessoas e juntamos o dinheiro
suficiente para comprar um fato de treino, umas sapatilhas novas, chocolates e
bolachas, tudo embrulhado em lindos volumes que foram entregues na sala de aula
com a ajuda de uma professora amiga, e com uma mensagem endereçada pelo Pai
Natal que lhe desejava um “Feliz Natal”. Junto com os presentes, mas sem
embrulho, foi também entregue um livro do Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá.
Antes de acabar o segundo período
letivo, o “Zé” deixou a escola e foi-se embora… soubemos que os pais haviam emigrado.
III
Um dia estava a entrar num supermercado,
na zona do Lido, e um senhor pediu-me um cigarro. Satisfiz a vontade!
O mesmo senhor perguntou-me ainda
se lhe poderia comprar um pacote de esparguete e uma lata de sardinhas,
visivelmente embaraçado. Disse-lhe que sim, entrei rapidamente no supermercado,
comprei o requerido e entreguei tudo acompanhado de mais um euro para um café.
Quem me acompanhava disse: “Ele vai usar o dinheiro para comprar cigarros, não
viste que ele estava a fumar!?
Respondi: - Para quem não tem
quase nada um cigarro pode ser muito, pelo consolo que proporciona. (Julgo que
os fumadores e ex-fumadores entenderão isto!) Voltei atrás e dei-lhe também o
resto dos cigarros que tinha na minha mala.
IV
Não precisas pagar a consulta,
este médico é meu amigo e faz durante o ano várias consultas pro bono, só tens
de fazer o que ele mandar… se não o fizeres, nunca mais ele te ajudará!
E foi assim que a “M” aceitou ir
ao médico para tratar da sua depressão. Quem está doente, com pouco dinheiro,
desempregado, custa aceitar, tarda a admitir que está doente, demora a aceitar
a ajuda e não é por falta de humildade, mas por vergonha mesmo!
A mim custa-me ver gente “grande”
a chorar, com o olhar vazio e perdido, sem esperança… quando ao analisar de
forma distante conseguimos perceber que basta só um empurrão, aquele empurrão
certo que fará com que a dita pessoa saia, ganhe alento e confiança para sair
da situação em que se encontra.
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