Perigosamente desarmados

São imensos os perigos destes dias do Covid-19, é inegável o impacto do surto epidémico na vida económica e social, e na configuração de uma cultura de inquietante demissão dos cidadãos em relação à vida em sociedade.


À resposta necessária, quer no plano da prevenção e da saúde pública, quer no plano clínico, somam-se as exigências para enfrentar as suas consequências ao nível da actividade económica, da redução da produção e dos problemas sociais a elas associados.

Em Portugal, os impactos do surto epidémico somam-se a problemas e défices estruturais acumulados pelo País e décadas de políticas que privatizaram empresas e sectores estratégicos, destruíram capacidade produtiva nacional, reduziram o investimento público, fragilizaram serviços públicos essenciais, impuseram a precariedade laboral e os baixos salários, promoveram a exploração e avolumaram a dependência externa.    

A grave realidade sócio-económica do País está claramente evidenciada nos milhares de despedimentos, em mais de um milhão e 200 mil trabalhadores com cortes de salários, na arbitrariedade nos horários e condições de trabalho, na apropriação de recursos públicos pelos grupos económicos, na liquidação da actividade de milhares de micro, pequenas e médias empresas e pequenos produtores, no condicionamento da actividade produtiva e do escoamento da produção.

Agora, com o quadro pandémico, em Portugal estão ampliados os riscos de ainda maior degradação da situação económica e social. A contracção dos mercados externos, a redução do mercado interno, fruto da quebra nos salários e rendimentos de grande parte da população, a destruição ainda não estimada de uma parte importante do tecido produtivo nacional, convergem para um cenário de quebra significativa do PIB cuja extensão é ainda imprevisível, para um significativo agravamento da dívida pública, para uma degradação da situação social com o aumento das desigualdades sociais e de um profundo agudizar da pobreza, para um aprofundamento da dependência externa do País.

Numa região insular distante, como aquela a que pertencemos, profundamente dependente da monocultura do turismo, com fragilidades económicas escandalosamente evidentes nestes dias do Covid-19, com as estruturais dependências financeiras a que estamos sujeitos, desde logo, da República e da União Europeia, os propósitos de regresso à lógica e aos princípios da política que caracterizou o período dos PEC e do Pacto de Agressão da Troika dificultará o combate ao surto epidémico, agravará exponencialmente as suas consequências económicas, sociais e políticas para as ilhas da Madeira e do Porto Santo.


As orientações prevalecentes nas orientações políticas do País já estão bem vincadas. Quer o Governo do PS na República, quer o Governo Regional da Madeira, da responsabilidade do PSD e do CDS, já mostraram que entendimento têm da alegada “retoma económica”. Seja com a escandalosa entrega de mais 850 milhões de euros para o Novo Banco e para o fundo especulativo que o detém, seja pela drenagem de verbas ao abrigo do lay-off para os mais variados grupos económicos (que não se eximem à sua utilização para a aquisição de activos ou distribuição de dividendos), seja pela manutenção de prerrogativas para detentores de PPP. Estas transferências são tão mais inaceitáveis quando convivem com a situação dramática de centenas de milhares de pessoas, nomeadamente com vínculos precários, a recibos verdes, sem relação contratual e de micro e pequenos empresários que se viram privados, total ou parcialmente, dos seus salários e rendimentos.

Somar aquelas linhas de direcção política ao bombardeamento sistemático de mensagens, valores e concepções, designadamente a partir dos principais órgãos de comunicação social (e com ainda maior expressão nas chamadas redes sociais), difundindo o medo e o alarmismo, promovendo o individualismo, a resignação e o conformismo, a delação, a criminalização da luta e a segregação de extractos da população, a partir da situação criada com o surto epidémico, a governação tem mãos livres para fazer tudo quanto quiser, desde o completo campo aberto para satisfazer plenamente os seus interesses e as suas clientelas de classe, como para dar novos e significativos passos no ataque ao regime democrático.

Perante esta ofensiva contra a cidadania a governação conta com uma cidadania desarmada. E quando a cidadania se apresenta sem os necessários meios para a defesa dos direitos individuais e colectivos, então a democracia está excessivamente fragilizada, ou seja, estamos expostos a tremendos perigos.
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