A guerra da Síria, o descalabro mortífero que se abate sobre a sua inocente população civil, constituem a maior crise humanitária que existe presentemente no planeta Terra. E perante a indiferença da maior parte de nós…
E, o que é mais grave (e o que diz mais sobre o nosso estado ético e cívico colectivo, sobre o nosso estado espiritual colectivo) perante a recusa activa, por parte de muitos, de recepção de verdadeiros refugiados dessa catástrofe humanitária, de famílias que fogem da morte e perseguição, que passam sofrimentos indizíveis na tentativa de sobreviver…
Onde estão os valores colectivos desta sociedade europeia? Onde radicam os valores éticos e morais dos que defendem a recusa de asilo a outros seres humanos, nossos irmãos e irmãs, que não podem pura e simplesmente sobreviver no meio de escombros, e de uma guerra de extermínio como a que ocorre na Síria? … No medo, no ódio, no racismo, na ignorância voluntária, em ridículas teorias da conspiração que inventam do fundo da sua falsidade intrínseca falsas ameaças de "islamização da Europa" e "substituição demográfica"? São esses sentimentos destrutivos cegos e ignorantes o que guiam nestes dias as nossas sociedades, os nossos corações individuais? …
A extrema direita populista lidera na Europa, e em Portugal, essa campanha de desinformação e teoria da conspiração, alicerçadas no preconceito, no racismo, na ignorância da História, e na estultícia de defender homogeneidades étnicas…
Que falta faz o estudo da História, da arqueologia, da genética!
Se esse estudo estivesse mais acessível e democratizado, se as disciplinas da História e da Filosofia, estivessem melhor estruturadas transdiciplinarmente nos currículos do nosso sistema de educação, e lhe fossem reconhecidas o cimeiro papel formador de cidadania consciente, saberíamos que a História do nosso continente, como a do resto da humanidade, é toda ela feita de permanentes migrações e miscigenações genéticas.
O território que hoje chamamos Síria é um dos berços da nossa civilização, aí aconteceu a sedentarização, aí apareceram muitas das primeiras cidades, dos primeiros sistemas de escrita, das primeiras filosofias. Foi desse território que, em 7000 antes de Cristo, partiram migrações que introduziram e espalharam a cerâmica, e a agricultura no continente europeu, dessa miscigenação há milhares de anos, muitos dos europeus actuais, de norte a sul da Europa, ainda partilham genes, haplogrupos, com os actuais habitantes do Médio Oriente… Linguisticamente, as línguas faladas nos Balcãs, na Europa Central e do Norte, antes da migração a partir da Ásia Central das línguas indo-europeias (germânicas, celtas, latinas, helénicas, eslavas…), eram línguas caucasianas e afro-asiáticas oriundas do Médio Oriente, e aparentadas com as línguas camíticas e semíticas actuais… Somos, em parte, os descendentes dos "sírios" que migraram pela Europa há 9000 anos…
Quão ridículo e insubstancial é o "autoctonismo", a crença e defesa do racismo e das homogeneidades étnicas… Todos/as somos mestiços!
A guerra de extermínio que se vive na Síria tem várias raízes. A mais antiga é sem dúvida as fronteiras artificiais traçadas a régua e esquadro pelos vencedores da 1ª Guerra Mundial (Inglaterra e França), que partilharam os despojos do Império Otomano em prol dos seus próprios interesses coloniais.
Mas a mais recente, e premente, é, também sem dúvida, os 50 anos de ditadura assassina e corrupta da família Al Assad; regime militarista monopartidário que escavou fossos e barreiras entre comunidades nesse país assim depauperado.
Tirando a população civil que apenas deseja viver a sua vida em paz, e as forças sírias democráticas livres, e curdas, que estão a ser massacradas na província de Idlib, e que durante muito tempo combateram ao mesmo tempo os dementes do Estado Islâmico (DAESH) e os partidários da ditadura Al Assad, e que agora são igualmente massacrados pela última, ajudada pelo ditador Putin e pela ditadura islâmica iraniana, por um lado, e pelo aspirante turco a ditador Erdogan, por outro (que combate os curdos livres), nenhum actor geopolítico é virtuoso e inocente.
Da extrema direita populista podemos sempre esperar o que de pior o ser humano traz na sua sombra destrutiva (o medo, a desconfiança do outro, o egotismo, alimentos do seu racismo e suprematismo racial…); é triste vermos que de parte de uma certa 'esquerda' (felizmente, cada vez mais minoritária e envelhecida): a 'esquerda' autoritária estalinista, a solidariedade vai em bloco para a coalização 'ditaduras unidas' que apoia Al Assad…
Abramos os nossos corações ao inominável sofrimento dos nossos irmãos do Médio Oriente, acolhamo-los, denunciemos a violência dos poderes ditatoriais que os puseram neste estado de ter que fugir pelas suas vidas, e combatamos também na Europa contra aqueles que violando a nossa essência histórica e espiritual mais profunda desejam fechar-nos numa prisão colectiva de uma homogeneidade inexistente e que só serve a sua agenda totalitária de poder.
Só o Conhecimento, a abertura, o pluralismo, a Liberdade e a Verdade nos libertarão do pior de nós mesmos.
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