As jaulas que nos matam por dentro

A Ponta do Sol é o concelho com menor frente mar, logo depois de, curiosamente,  Câmara de Lobos. 

A população é praticamente unânime em relação à aceitação ou não das jaulas para aquacultura no concelho - é NÃO. De todos os partidos, velhos e novos, quer sejam da Vila, Madalena do Mar ou dos Canhas. Lembro que a zona dos Anjos pertence na maioria à freguesia dos Canhas e sabemos bem da importância que esta freguesia teve nas últimas eleições autárquicas, no concelho. ,

Mas deixem que me alongue um pouco na explicação do porquê da não aceitação das jaulas naquele concelho e no da Calheta.

Durante anos, o governo regional só se preocupou com os concelhos fora do Funchal para cimentar e betonar. A ordem era para construir sempre mais, onde coubesse, custasse o que custasse. Para trás ficou a Cultura e o desenvolvimento económico e social dos concelhos. As obras foram, na grande maioria, desfazadas da realidade social dos concelhos e, uns mais que outros, foram despidos e usurpados da sua alma. Mas como havia dinheiro para derramar em cima, tudo se foi aceitando. Destruiu-se Natureza, modos de vida, Cultura. Deu-se futebol, alcatrão e betão, bailinho e poncha, empregos e benesses aos bem comportados, e criou-se uma ilusão de que tudo isto nunca teria fim.

Passada a febre dos investimentos com o dinheiro da Europa, que na maioria foram para a o ramo da construção, veio a realidade, como uma bomba. As manutenções caras dos equipamentos que os concelhos não conseguiam comportar, a falta de uso, a falta de enquadramento com a realidade social dos concelhos, em muitos casos o abandono.

A Calheta, sede duma das mais importantes empresas de construção, irradiou saúde financeira, social. Dali, governava-se a Madeira. Escolhia-se onde começar obra, onde acabar, as prioridades. Ali ia o governo amiúde para festas, cais, marinas, hotéis, engenhos, enfim, a Calheta era o centro fora do centro. Os políticos mais importantes eram os da Calheta (claro que, com a excepção do único mais importante) e toda a gente ia à Calheta.

Depois foi a dívida oculta, que nos obrigou a ver e enfrentar a realidade (embora alguns ainda não tenham lá chegado) - gastámos mais do que devíamos, gastámos demais onde não devíamos, gastámos o que não podíamos. E a torneia do dinheiro fechou. Chegou a altura de pagar. Porque a Europa também recebe e há regras a cumprir. E nós, na nossa imensa "esperteza saloia" não cumprimos. Digo "nós" porque efectivamente, embora não tivéssemos todos ganho, mas todos pagámos e pagamos. Os nossos filhos e netos provavelmente ainda pagarão esse louco e descontrolado frenesim.

Acabado o fluxo do dinheiro da Europa, tudo voltou ao que antes sempre tinha sido. O abandono dos concelhos fora da esfera do Funchal. Ficaram obras por concluir e que se foram deteriorando, outras ficaram com expropriações a meio, outras foram simplesmente abandonadas durante praticamente uma década e mais.

Nesta altura, os concelhos foram obrigados a se reinventarem como e com o que podiam. E aqui, surgiu uma solução que se revelou crucial - O Alojamento Local. Permitiu às pessoas uma ajuda importante na recuperação e reconstrução do imobiliário em muitos casos devoluto, assim como uma fórmula atractiva no que diz respeito aos impostos inerentes à exploração. As taxas eram apetecíveis e todos os concelhos acarinharam a iniciativa. O turismo que era para ali atraído, revelou-se providencial. Em vez de passarem a acenar nos autocarros e a pararem para usar o WC nos concelhos de passagem, estes ficavam ali no concelho. Dormiam, comiam, visitavam os equipamentos nos concelhos, faziam compras, recomendavam aos amigos, reservavam já para o ano e, alguns, até procuravam um sítio, um imóvel, que pudessem também eles recuperar e voltar no futuro as vezes que quisessem. Para ser seu. O Alojamento Local fez pelo turismo e economia dos concelhos mais que muitas das acções do governo regional neste sentido nos 20 anos anteriores (e tudo somado).

E aqui, a Ponta do Sol avançou segura. Apostou no Alojamento Local, no desenvolvimento Cultural, em projectos de animação alternativos e apetecíveis, alinhados com o que de melhor se passa na Europa. Juntou-lhe o conceito Bio e de respeito pela natureza e eis que se revelou, depois de anos de insistência e persistência, um sucesso. Não firmado mas afirmado e consistente e sempre a crescer. A Calheta seguiu as pisadas e em muitos projectos, os dois concelhos estão juntos e complementam-se. E ambos ganham. Pela ousadia e pela diferença e unicidade do seu produto. Reinventaram-se.  Quem vê o pôr do Sol na Ponta do Sol, ou na Calheta, nunca dele se esquece. É de facto uma experiência única. E isso vende. Porque é autêntico e belo e intemporal.

E aqui é que entra a principal resistência contra as jaulas de produção de peixe em cativeiro para consumo humano. É claro que está em causa o ecossistema marinho dos concelhos já tantas vezes castigado pelas constantes obras ao longo das últimas duas décadas. A desconfiança pela teimosia falhada e "re-falhada" em relação à Marina do Lugar de Baixo. O investimento e alarde em volta da Lagoa do Lugar de Baixo, que nunca foi atractivo para coisa nenhuma. As obras constantes na Ribeira da Madalena e o abandono da praia daquela freguesia (um cais enferrujado que é um perigo assim como o próprio acesso à praia), as constantes derrocadas na marginal da Calheta, a teimosia em fazer um campo de golf na Ponta do Pargo, ou nos Prazeres.  Até num aeroporto já se falou. E enfim, muito mais haveria para dizer sobre as loucuras preconizadas por tão ilustres e iluminadas mentes - eis um bem com valor seguro para exportação.

Mas, a principal resistência da Calheta e Ponta do Sol deve-se a um governo que teima em fazer as coisas "à maneira antiga" que é como quem diz - sem dar explicações a ninguém.

 Ora, estes dois concelhos reencontraram uma fórmula que lhes deu sustento, pelo seu próprio trabalho, sem deverem nada a ninguém senão ao seu esforço, resiliência, empenho e fé. "Espetar" com umas jaulas na frente mar - o maior activo - não é aceitável. Nunca será. Façam o que quiserem. Não se trata de desviar mais para a esquerda ou mais para a direita. É Não. As pessoas não estão dispostas a abdicar do que conseguiram para dar de mão beijada o seu maior garante - o mar e o horizonte ao pôr e nascer do Sol - ao governo regional para mais uma vez fazer o que quer, como quer e sem olhar a consequências e muito menos assumir responsabilidades se algo falhar.

Até porque as jaulas empregam localmente meia dúzia de pessoas (se tanto) e para o concelho fica pouco ou nada do rendimento. Todo o alojamento local criou muitos postos de trabalho directos e indirectos. Atraiu o interesse e o investimento de locais e também de estrangeiros,  que trazem consigo novos conceitos e novos olhares que nos fazem crescer. Atraiu de novo os jovens para estes concelhos. As câmaras municipais têm respondido com uma aposta crescente em projectos culturais inovadores e virados para a Juventude. Arriscam e têm ganho. Festivais, Exposições, Experiências Culturais, Natureza, Agricultura biológica, Gastronomia, Etnografia... Os passeios de barco pela costa Oeste têm também crescido mas, cada vez mais, são obrigados a se afastarem mais da costa por terem que respeitar o afastamento das zonas das jaulas, já para não mencionar as condições degradantes oferecidas pela Marina da Calheta aos seus utentes. Essas vitórias por mérito próprio das populações criam uma satisfação e orgulho que o governo regional não poderá de novo comprar (até porque o tempo em que havia dinheiro para tudo já passou). Só um investidor alemão, investiu já cerca de 2 milhões na zona dos Anjos e construiu alojamentos e um restaurante e prepara-se para adquirir outros. Só ele, criou já mais postos de trabalho no concelho do que as jaulas alguma vez criarão. Só este investidor, paga mais impostos no concelho do que as jaulas alguma vez pagarão. Podem, claro, fingir que assim não é e impôr as jaulas a qualquer preço e a qualquer custo. É uma frase a que infelizmente o governo regional nos tem habituado. A diferença é que, se antes havia dinheiro para derramar sobre o problema, agora apenas há dinheiro para retirar e deixar o problema. Será que Ponta do Sol e Calheta aceitarão? Não me parece. A Plataforma AZIA, a Quercus, a Cosmos têm feito um excelente trabalho na defesa do ecossistema marinho daqueles concelhos mas a negação às jaulas vai muito mais longe. Vai à alma das pessoas daqueles concelhos. Como foi gritado na manifestação do último Domingo e parece-me ser essa a atitude dos Pontassolenses e Calhetenses "- Enjaular Sim, o Governo Regional!"

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