René Remond no seu livro "Por uma história política" deu fundamento ao importante conceito de "cultura política". Aquele conceito aplicado à compreensão da "história política", nas análises da apreensão da intervenção humana na história, a participação política dos cidadãos, a questão da cidadania, a importância do agir humano na vida política, nos processos de transformação social, passaram a desempenhar uma outra centralidade hermenêutica.
O "rejuvenescimento da história política" materializou-se em torno da ideia de que o político é a zona de conexão do corpo social, como lugar de expressão do económico, do social, do cultural e, como tal, capaz de explicar o processo histórico.
O político ganhou um universo largo e abrangente, não necessariamente ligado com o Estado, mas, sim, relacionado com outros agentes e sujeitos da sociedade.
Sob este ponto de vista, as lutas pelos direitos civis e políticos, as manifestações, os movimentos, organizações e associações, não só influenciam as acções e a organização do Estado, mas marcam inúmeras relações sociais e culturais que se tecem para além do domínio da organização estatal.
Para além dos órgãos do poder político, como para além da partidocracia e dos partidocratas que se consideram os donos do poder, em democracia, nas dinâmicas sociais, nas contradições e lutas entre parcelas e sectores da sociedade, nas suas disputas, reivindicações e demandas, ganha força material e agiganta-se um novo conceito de "cultura política".
Contrariando a tradicional lógica de hegemonia absoluta dos partidos políticos no desenhar da história política, a "cultura política" passou a englobar todo um muito mais amplo alcance interpretativo, contemplando um conjunto de comportamentos, protagonistas, valores, meios, padrões culturais, mentalidades e imaginários colectivos, ampliando a polifonia do conceito do "político".
Em conclusão, numa democracia que se queira avançada, os diversos elementos integrantes das várias facetas que compõem "o político" modelam a sociedade, determinam as políticas, influenciam o Estado.
Mas este conceito de "cultura política" depara com fortes adversários, quase sempre os elementos e as formas tradicionais de fazer política por meio dos partidos. Para o velho paradigma de cultura política, a cidadania activa, as manifestações populares, as lutas sindicais, as iniciativas colectivas de protesto, são encaradas com absoluta suspeita. A forma como o poder público enquadra tais registos é sempre como perturbações de maior ou menor vulto. Perante as dinâmicas da acção directa que dão corpo a uma democracia participativa a resposta dos partidocratas perante tais "perturbações" são as "atitudes enérgicas" de governo.
A par dos problemas de natureza ideológica, sobretudo, os donos do poder o que não suportam é a relativização dos seus poderes nas mudanças sociais ocorridas na história, e uma eventual subalternização do poder político dos aparelhos do Estado.
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