A cultura do chumbo é a cultura do facilitismo


RTP 3 - Notícias, edição de anteontem. O jornalista abordou a questão dos "chumbos zero" no Ensino Básico. A partir das posições assumidas no Parlamento por Rui Rio (PSD) e Cecília Meireles (CDS), relativamente às preocupações enunciadas no "Programa de Governo da República", acabou por questionar as "passagens administrativas", isto é, de alunos que não atingindo um nível satisfatório acabam por transitar de ano. O espaço de informação teve dois momentos sobre o mesmo assunto: primeiro, através da presença dos jornalistas comentadores, Luísa Meireles e Manuel Carvalho; depois, com João Teixeira Lopes (BE) e José Matos Correia (PSD). Curiosamente, todos convergentes na necessidade de travar os "chumbos" e de garantir uma assistência e acompanhamento precoce aos alunos que experimentam dificuldades.

Eu diria que os Deputados Rui Rio e Cecília Meireles ou não leram o programa de governo, ou seguem uma lógica de bota-abaixo político ou, ainda, não estão, minimamente, informados sobre uma escola para o tempo que estamos a viver. Bastaria que lessem o relatório do Conselho Nacional de Educação (2015), assumido pelo Doutor David Justino (PSD), curiosamente "assessor" do Deputado Rui Rio, onde é enaltecida "a manifesta ineficiência desta medida (retenção) para a melhoria do desempenho escolar" (...) e onde é defendida "uma mudança da cultura de retenção, para um investimento em programas contextualizados de combate ao insucesso e de melhoria das condições de ensino e aprendizagem".

Ora, a "cultura do chumbo" está enraizada e essa, do meu ponto de vista, corresponde à cultura do facilitismo na organização escolar. Não sabe, chumba, ponto final. Investir na criança e no jovem, desde o pré-escolar, dá muito trabalho, se dá! A "cultura do chumbo" é, por ausência de investimento correcto, deprimente no quadro, até, das desigualdades sociais. E há políticos que insistem na tecla errada, porque, repito, não estudam ou porque, demagogicamente, preferem seguir as convicções mais populares, muito distantes de um conhecimento cientificamente sustentado.

Entretanto, ontem, segui o "Eixo do Mal" (SIC) onde o mesmo tema esteve em debate. O jornalista Daniel Oliveira foi muito assertivo: "somos o País da OCDE com mais chumbos. 35% dos alunos até aos 15 anos chumbam, pelo menos, uma vez, quando a média da OCDE é de 13%". Para sustentar a sua posição, trouxe à colação a Professora Lucília Salgado que escreveu que os chumbos em Portugal "são massivos, selectivos, precoces e cumulativos". Ora, a ideia de uma hipotética "passagem administrativa" não tem sentido, porque esta não se decreta, quando em causa está, e bem, um investimento na criança e no jovem para que adquiram os conhecimentos considerados fundamentais. Obviamente que este caminho implica, necessariamente, a prazo, um criterioso e compaginado trabalho a montante da escola, nas famílias, uma reorganização do funcionamento da sociedade (horários de trabalho, entre muitos outros), número de alunos por estabelecimento de aprendizagem, substancial mudança ao nível dos currículos, dos programas, da organização da escola e da sua autonomia, uma profunda revisão dos conceitos de aula e de turma e, ainda, no quadro do paradigma pedagógico. Tenhamos presente que, hoje, não se forma, formata-se!

A este propósito li uma oportuníssima reflexão do Padre José Luís Rodrigues, que aqui deixo, porque, a partir dela podemos chegar, facilmente, a um novo conceito de estabelecimento de aprendizagem (não de ensino):

"Ninguém com bom senso nega que todos nós precisamos de espaços que nos iluminem, que nos instruam para as novidades e para todas as mudanças que vão ocorrendo na vida e no mundo. Porém, todas as vezes que oiço vozes insistir tanto em formação, concluo logo que se está a falar mais de formatação do que formação.

Toda a educação, formação e ou a singela transmissão de informação só se revela útil se preparar pessoas para a vida concreta. O que importa mesmo é que tenhamos bons cidadãos, comprometidos na luta pela justiça, cientes de que a transformação do mundo só se fará com uma séria militância pelos valores universais da igualdade, liberdade e fraternidade. E precisam as pessoas que lhe ofereçamos razões para terem esperança. Quase nada se fala nisto.

Toda a educação, catequese, preparação, formação... Entre outras coisas importantes preparara as pessoas para vida, se não tem como horizonte a diversificada e a multidisciplinariedade da existência nunca passará da inútil formatação. Tudo será mais rico quando se ensina para a autonomia, para a diversidade e para a abertura quotidiana à riqueza da novidade que a vida hoje nos oferece a toda a hora. Zero é o que interessa termos pessoas certinhas no cumprimento de ritualismos, mas pobres ou vazias quanto ao pensamento e abúlicas quanto ao dever de se expressarem perante o pulsar quotidiano da vida concreta.

Melhor para todos nós homens e mulheres livremente pensantes, mesmo que sejam poucos, do que multidões de gente que não pensa, mas faz os rituais todos certinhos." JLR
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