1. A Sinopse do filme é a seguinte. João Fernandes (Albano Jerónimo) é o
patriarca de uma abastada família tradicional portuguesa. A herdade de que é
proprietário situa-se na margem sul do Tejo e é um dos maiores latifúndios da
Europa. A vida dele, assim como o local onde sempre viveu, é um espelho de
Portugal. Percorrer a história de João, desde os princípios da década de 1940
até à actualidade, é contextualizar a vida social, política e financeira de um
país inteiro. É o ambiente obscuro da política de Salazar que contagia todas as
classes sociais e que mantém um controle cerrado sobre toda a vida social. Esta
é a história de uma família da segunda metade do século XX em três actos: 1946,
1973 e 1991. João quer a sua Herdade fora da política e para ele não há
diferença entre fascistas e democratas. Qualquer um que pretenda lhe dar ordens
é um inimigo que ameaça os seus domínios que resultaram do seu esforço e
trabalho.
2. O produtor do filme é o incontornável Paulo Branco, com argumento de Rui
Cardoso Martins, "A Herdade teve a sua estreia mundial na competição
oficial do 76.º Festival de Veneza, onde o realizador Tiago Guedes ("Coisa
Ruim", "Entre os Dedos", "Tristeza e Alegria na Vida das
Girafas") foi distinguido com o Prémio Bisato d'Oro da crítica independente
para Melhor Realização. Também está representado no Festival de Toronto, onde é
o primeiro filme português seleccionado para a secção Special Presentations.
3. Para além de João Fernandes como protagonista, o filme conta também com
Sandra Faleiro, Miguel Borges, Diogo Dória, Victoria Guerra, Teresa Madruga e
Ana Bustorff, entre outros. Todos com excelentes interpretações.
4. Fiquei maravilhado com este filme. Saliento mais quatro momentos que
considero essenciais para percebermos a mensagem do enredo, que envolve o
espectador tanto pelas histórias e tanto pela técnica de filmagem. Estamos
perante cinema a sério. Não admira a consideração e prémios que vai colhendo
nos vários festivais por onde tem passado.
5. Primeiro considerando. A obsessão para salvar e preservar a Herdade fora
dos apetites obsessivos da política salazarenta da época, vai resultando em
sucessivas tragédias pessoas e familiares. A frieza de João é impressionante,
embora se entremeie com alguns acessos de bondade e compaixão pelos fracos (até
pelos seus trabalhadores que dado contexto da época subsistiam sobre o jugo da
exploração). As mudanças do 25 de Abril trazem desafios à Herdade e ao seu
proprietário que parecendo apreensivo vai procurando encaixar-se ao sabor dos
novos ventos que passam. Não se livra, porém, de perder a família e ouvir
finalmente a esposa dizer-lhe olhos nos olhos “quero o divórcio e metade da
Herdade”. Eis o topo das perdas de João Fernandes que sai descontrolado pelos
campos da Herdade a galope no seu cavalo de estimação que ao tropeçar fica
ferido exigindo assim de João o golpe final. Vimos João abater a tiro o seu bem
mais preciso da sua herdade, o seu belo cavalo.
6. Porém, o segundo considerando entra-me pelos poros, há valores mais
altos que se levantam. A maior parte do filme passa-se, digamos assim a 24 de
Abril, na alvorada da revolução do 25 de Abril. A revolução está a chegar, os
protagonistas participam no copo de água do casamento da irmã de Leonor naquele
ambiente aristocrático dos velhos tempos da ditadura, elas são filhas de um
chefe da Pide. Curioso que João e Leonor quando regressam a casa de madrugada,
é já a noite de 24 para 25 de Abril, ouvem a “Grândola Vila Morena” na rádio.
7. No terceiro momento fixo-me no argumento, na fotografia e na técnica de
filmagens (grandes planos, os fundidos e os travelling’s são magníficos que o
ecrã em 2D dá-nos a sensação que estamos dentro de um veículo em movimento).
Brilhante e bem conseguido todo o aparato das filmagens, que faz da câmara uma
autêntica bailarina que se enche de imagens deslumbrantes de um Alentejo quanto
de belo como de misterioso, que nos põe em movimento, embora estejamos sentados
a ver o filme.
8. Quarto momento essencial para mim. Admirei sobremaneira a posição
frequente de observadora de Leonor, esposa de João, o latifundiário, a tudo o
que se passa à volta do enredo do filme e com as voltas do seu marido e dos
filhos. A filha Teresa enamorada pelo filho do capataz, um ébrio diário, esposo
da ama (Rosa) dos filhos de João e Leonor, mas que se aconchega frequentemente
com o patrão (o enredo vai dado sinais que nos convencem quem é o verdadeiro
pai do filho de Joaquim e Rosa). O filho de João e Leonor, Miguel, cresce sob a
dureza do pai a maior parte do tempo anda indiferente em relação ao filho e se
lhe deita os olhos é para agir com crueldade. Um filho que à medida que cresce
vai manifestante absoluto desprezo pelo pai.
9. Os olhos de Leonor são uma autêntica câmara a percorrer as palavras, os
gestos, as posições de mandante do seu esposo. Percorre todo o filme,
expressando nos seus olhos, o que vê e sente com o bom e o daquilo que vê. Uma
particularidade deste filme, a interpretação soberba da belíssima atriz Sandra
Faleiro. Enfim, quem puder que vá ver o filme, vale a pena.
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