A agonia da ágnoia (άγνοια)


Alguém, num tempo não muito distante, defendia que nem todas as pessoas deveriam ter o direito de votar porque não tinham competências suficientes para escolherem ‘bem’. Dizia o (?)cientista político(?) que bastava uma pequena parte da população votar, porque, de outro modo, estávamos a “inundar” as mesas de voto com eleitores menos informados e ignorantes. Só não explicava quem e como escolhia essa pequena parte da população…

Porém, a argumentação não deixa de ter alguma validade (a proposta de resolução é que não). Quanto maior a ignorância do eleitor, maior a probabilidade (probabilidade, porque não é líquido que seja certo) de ele tomar uma má decisão. Quanto maior o desconhecimento de um assunto, mais difícil é decidir sobre essa matéria. Como dizia François Rabelais, “a ignorância é a mãe de todos os males”, mas, para piorar a situação, também “é muito atrevida” (esta é de Jean de La Bruyère).

Muito poucas pessoas sabem (ou querem saber) aquilo que os partidos defendem; o modo como as medidas que preconizam podem ser implementadas; os benefícios ou prejuízos que elas lhes poderão trazer; em suma, a maioria das pessoas não está preparada para votar conscientemente. E se há alguns que se abstêm (embora raramente assumam que o fazem por não estarem devidamente esclarecidos – e a culpa nunca é deles!), muitos colocam a consciência em ‘stand by’ e vão exercer o seu direito de voto ‘et por cause’…

Do mesmo modo, muito poucos são aqueles que questionam o que lêem (ou o que vêem escrito – há aqui uma pequena diferença), por ignorância, por desconhecimento, por inércia, por… (‘aceitam-se’ desculpas). É mais fácil comentar as primeiras ‘gordas’ (leia-se: os títulos) que aparecem em frente dos olhos do que ler a notícia e tirar as devidas conclusões. Normalmente, por erro de interpretação, por erro (ou nem tanto) de escrita, ou por outra razão qualquer, a conclusão a que se chega está errada e a informação passa como… desinformação.

Posto isto, e muito mais que ficou por referir – o que daria provavelmente para um trabalho científico –, a ilação a tirar é que falta formação, instrução, educação, conhecimento, cultura, competência, saber, tarimba… à maioria da população. Prevalece a ‘ágnoia’, na perceção etimológica da palavra, que é, simplisticamente, o antónimo da gnosis (ou gnose)!!!

Daí que não seja de admirar muito aquilo que se passa no país, na Europa, no Mundo… desde a contestação da esfericidade da Terra, à animosidade contra os migrantes, a imbecilidade antivacinas, a teimosia anti-alterações climáticas, passando pelos (muitos) mais diversos temas que necessitam de alguma abordagem menos ligeira, um ‘pouco’ mais para lá do que veste a Letízia ou do peso da grávida Megan…

Por isto (não só, mas também e não é tudo, nem se esgota aqui), aparecem os Bolsonaros; aparecem os Erdogans, aparecem os Salvinis, aparecem os Dudas, aparecem os Áders… e alguns já não sabem do que estou a falar, aparecem os putativos ‘salvadores’ da pátria!

Se é verdade que não há democracia sem conhecimento, também é verdade que os ‘ignorantes’ (nas suas mais variadas facetas) têm direito a voto! E também têm acesso, ‘et por cause’, a fake news, a perfis falsos, a ‘sites’ de notícias ‘espalhafatosas’…

E, no regresso às origens, completamos o círculo e relançamos a questão: qual será a ‘melhor’ democracia? A que permite o voto de quem não sabe o que está a fazer, ou aquela que circunscreve o acesso aos “informados”? E quem decide quem são uns e quem são os outros?

No limite (esqueçam outras análises com esta formulação), o ideal seria conferir a todos os ‘decisores’ a capacidade para serem idóneos nas suas tomadas de posição. Dar-lhes toda a instrução, o conhecimento (ou a capacidade para o apreender), a competência, a cultura, o saber… enfim, a capacidade para decidir conscientemente sobre o que é bom e o que é mau, e por que é que é bom ou mau, mesmo que algumas conclusões obtidas, baseadas nos mesmos princípios, possam diferir (mas isso é outra conversa).

Dar-lhes educação. Aí, a democracia seria efectivamente eficaz.

Como dizia Nelson Mandela, “a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o Mundo”!

Ou, como diz Malala Yousafzaqi, “uma criança, um professor, um livro e um lápis podem mudar o Mundo”!

A decisão unitária consciente e informada é a melhor forma de garantirmos que ninguém decide por nós.

A educação em falta ou deficiente, de uns, deixa, a outros, a oportunidade, nunca vantajosa para os primeiros, de decidirem como lhes convém, muitas vezes contra os interesses dos que não decidem ou decidem mal.

Com instrução, educação, conhecimento…; com a capacidade de discernir o certo do errado poderá ser possível evitar muitas das asneiras que tem continuamente (en)formado o nosso país. Mas, para isso, é preciso que os que beneficiam dessas asneiras o permitam, ou que a ‘próxima’ geração o exija…

Ainda citando Mandela, “… os jovens devem assumir a responsabilidade de garantir que terão a melhor educação possível, para nos poderem representar bem no futuro, como os próximos líderes que terão de ser”…

O problema é que a própria capacidade de perceber o certo e o errado parece estar a ser minada…
Não é, pois, de admirar que, com o aumento do conhecimento e da nossa capacidade de o apreender, cada vez se note mais a ignorância global. Há sondas no espaço (macro), há investigação sobre (micro)organismos, e tudo o mais de nível intermédio… e mais de metade da população mundial não sabe do que se está a falar.

Ensinar a aprender é essencial; aprender a aprender é fundamental. Mais do que a discrepância entre pobres e ricos, a desgraça do mundo é o fosso entre ‘ignorantes’ e ‘informados’; ou talvez uma coisa tenha a ver com outra…
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1 comentários:

  1. Sim. As pessoas não querem saber.
    quando li a frase de Maquiavel: "não há coisa mais perigosa que tentar dar a liberdade a um povo que ama a escravidão", pensei mas alguém quer ser escravo?
    A vida mostrou-me que sim. O escravo não tem que decidir, não tem que zelar por si próprio e não tem responsabilidade pelos seus actos, pelo que culpa os outros à vontade. A única decisão do escravo é ter o mínimo de sofrimento. Pergunto ao sr Fernando Letra quantos individuos conhece cuja única decisão conhecida é "não sofrer"? Quantos é que realmente escolhem (ao invés de seguir os ditames de outros -sociedade-)?
    Vou ser ainda mais claro, a Região e o País caminham a passos largos para a bancarrota, e para a criação de uma classe de impunes. Todos sabem disso. Têm aparecido alternativas (umas mais outras menos crediveis). Quantos é que se informaram sobre essas alternativas. Quantos as apoiaram?

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