Escola e Família

É normal ouvirmos que a educação vem de casa. À escola pede-se a "instrução".  Em síntese, à família compete desenvolver as faculdades inerentes ao ser humano e à escola espera-se que faculte o conhecimento. Como sublinhou o meu ex-Professor Albano Estrela em um seu artigo: "(...) Mais incisivamente, escreveu Gandhi: "na minha opinião, a educação consiste em extrair globalmente da criança e do homem tudo o que têm de melhor, quer se trate do corpo, da inteligência ou do espírito. Saber ler e escrever não é o fim da educação (...). Este conhecimento é um dos meios que permitem educar a criança, mas não deve ser confundido com a própria educação" (...) "a educação é o fim (enquanto) a instrução não é mais que um dos meios" - Dupanloup.


Nesse artigo, a propósito de posições diversas e até contraditórias, salienta o Professor: "(...) Repare-se, por exemplo, no que escreveu E. Renan, ao dizer que "a instrução dá-se na aula, no liceu, na escola; a educação recebe-se na casa paterna". Ou ainda, no que referiu E. Faguet ao escrever que "a criança, nas mãos de um professor (...) aceita a instrução instintivamente, com um instinto que talvez não seja mais do que a voz da educação ancestral (...)". Um texto (2012) que vale a pena espreitar.

Ora bem, tenho por assumido, não apenas por leituras mas também pelas vivências da acção docente e da própria vida de relação, que educação e instrução caminham lado a lado. E, neste pressuposto, não há que separar a escola da família ou vice-versa. Talvez, melhor dizendo, professores, pais, avós, tios e outros da comunidade devem assumir a mesma responsabilidade. Diz o provérbio africano que "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança".

Estou aqui a juntar palavras e conceitos, mas não quero afastar-me do que aqui me traz. O que realmente quero transmitir, como preocupação última, situa-se na responsabilidade da escola constituir-se como espaço determinante na formação global que ultrapasse a simples ou complexa tarefa de transmissão de conhecimentos. No essencial, "se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha". Isto implica, entre outros, dois aspectos: primeiro, há muito que defendo, verdadeiras políticas de família; depois, a reorganização da escola a todos os níveis. 

A montante, sem desvirtuamento das culturas e do respeito pela privacidade das famílias, há políticas que podem ser desenvolvidas subtilmente, no quadro dos comportamentos adequados, do sentido de responsabilidade, do rigor, da disciplina, das inúmeras regras de cidadania, do respeito pelos outros e do sentimento que existem direitos mas também deveres. 
Há uma nova mentalidade a semear. 

A jusante, na escola, mais vale ter presente esse conjunto de princípios e valores do que metralhar com um enciclopedismo sem sentido, destinado a ser debitado no dia das avaliações, para logo ser esquecido. Até, neste aspecto, a escola tem de ser diferente, exigindo-se uma outra postura dos professores e dos auxiliares de acção educativa.

Um exemplo: a luta iniciada nas escolas na sensibilização pela defesa do ambiente. Paralelamente, junto das populações, a dinamização de políticas, por exemplo, na separação dos lixos. Hoje, são sensíveis os resultados dessa acção que caminhou em sentido convergente com um objectivo. Este exemplo pode ser compaginado a todos os sectores, áreas e domínios da actividade humana.

Ser cortez tanto deve ser mister da família como da escola; intuir regras de etiqueta tanto é uma responsabilidade da família como da escola; fazer todas as perguntas, como as fazer e obter todas as respostas é uma responsabilidade da escola como da família; saber sentar-se à mesa, utilizar os talheres e pedir licença para sair da mesa, faz parte da família como da escola; saber utilizar a tecnologia, em todas as situações, onde e quando, depende da escola mas também da família; não interromper quando os outros falam, faz parte da escola, mas também da família; ceder o lugar aos mais velhos, grávidas e portadores de alguma deficiência, faz parte da família, mas também da escola; assumir com rigor e determinação todas as tarefas, tanto é da responsabilidade da escola como da família; ser culto, capaz de fazer sínteses de tudo quanto rodeia, faz parte da escola, mas também da família; não ser violento depende da família, mas  também da escola; assumir a disciplina faz parte da família, mas também da escola; entre tantas situações, cumprimentar, ajudar ou estacionar uma viatura não ocupando dois espaços, tanto é da responsabilidade da família como da escola; até o exercício de votar, ter opinião, possuir e demonstrar capacidade de interpretação na vida democrática, em toda a sua extensão, faz parte da escola, mas também da família. Trata-se de um processo combinado e integrado que, a prazo, creio, tornará a vida, a vivência e convivência melhores.

Leva tempo, muito tempo, é óbvio que sim. Nada disto é possível por decreto, antes é como uma tela, feita, ponto por ponto, pacientemente, até ao resultado final. Consegue-se, por outro lado, dando uma outra atenção aos que vivem nas margens, junto daqueles onde em cada mês falta mais mês. E aí estão cerca de 30% da população. A pobreza impede muita coisa! Começa por aí. O resto, o tal CONHECIMENTO, vem obrigatória, sequencial e naturalmente. Porque tudo se aprende e a escola é vida e não apenas preparação para testes e exames. O que não é razoável é, quarenta anos depois, confrontarmo-nos com situações que explicam bem a desequilibrada sociedade que foi construída.
Ilustração: Google Imagens.
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