Rochas sedimentares biogénicas

Para além de defender uma ruptura drástica com o actual sistema educativo, tenho a felicidade de ter netos que funcionam como um laboratório. O que me dizem sobre o que observam, o que me vão transmitindo sobre o seu dia-a-dia, as conversas que vamos tendo, os desencantos e o contraponto que lhes vou fazendo, confirmam que esta escola é, de facto, genericamente, "uma catedral do tédio", porque os alunos não contam. Os adultos dizem que sim, que eles estão no centro das políticas educativas, mas essa é a sua perspectiva, não a daqueles que se sentam intermináveis horas frente à clássica transmissão de um conhecimento assente no manual. Hoje, perguntei a um dos meus netos que tal tinha sido o regresso "às aulas". Resposta imediata, em um tom de desabafo vindo da consciência mais profunda: oh avô, novamente rochas sedimentares biogénicas. Nem a professora gosta daquilo! E para que é que aquilo me serve? Para o teste? 


Nem me deixou contrapor. Vou decorar, despejar no teste e nada ficará depois. Como não me lembro de assuntos que estudei e já esqueci. Terei boa nota e depois? Achas que vou passar por uma rocha e dizer que esta é uma rocha sedimentar biogénica? Não existe outra maneira de aproximar-me do estudo essencial das rochas? 

Percebi o que me quis transmitir. Já tínhamos falado do estudo através de "fenómenos complexos". E antes de ir ao cerne da questão(ões) introduzi a história de uma professora de Biologia que perguntou a uma adolescente: "quantas patas tem um artrópode?" E a adolescente, suspirando, respondeu-lhe: "ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem...". E por aí comecei, falando-lhe, de seguida, uma vez mais, da reflexão do Filósofo Immanuel Kant: 

"(...) Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida". 

Tenho a sorte de ter netos que, fruto dos seus pais, conseguem ver longe e ter um entendimento das vivências. Que uma coisa é, como dizem, a "seca da escola", o desajustamento em relação ao que eles são e pretendem, outra a necessidade de responderem, exactamente, ao que está no manual. Têm reflexão crítica. 

E fomos conversando, lembrando o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, personalidade por quem nutro consideração, que foi muito claro no decorrer de uma conferência: deve-se ver a criança como "sujeito" e não como "objecto". E o problema reside aqui, na criança, no jovem e mesmo no jovem-adulto que, neste sistema, são vistos como objectos. São peças fabricadas de acordo com o pensamento do adulto, ele que, por sua vez, foi fabricado por uma experiência repetitiva e até ideológica. Adulto, governante, que é capaz de saber o caminho errado que percorre, paradoxalmente, aceita-o e incentiva-o, com algumas alterações marginais, porque aos governos falta-lhes motivação, a mesma que os alunos não sentem na escola. É, por isso, que os alunos desabafam, como li algures: apenas "somos engolidores de matéria".

A conversa foi interessante, embora, no final, tivesse ficado o conselho: responde, certinho, a tudo o que te perguntarem sobre as "rochas sedimentares biogénicas", mas nunca percas a tua reflexão crítica. Porque, sabes, os verdadeiros avanços, provavelmente, só se darão com os da tua geração (ele tem 13 anos) e isso leva muitos anos. E já que te falaram de rochas... digo-te, sinceramente: este sistema é um enorme pedregulho! Recentemente, o próprio Presidente da República foi claro e assertivo: "Os portugueses, de facto, verdadeiramente, não dão primazia à Educação como prioridade nacional, (...) quantas famílias votam, nas diferentes eleições, dando primazia à Educação? Tenho para mim que muito poucas. (...)".

Ilustração: Google Imagens.
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