David Justino e a política educativa

O facto de uma pessoa ser professor universitário e de ter sido ministro da Educação não lhe confere, automaticamente, competência e reconhecimento público, no plano científico, para falar sobre este complexo sector. Sabe-se como é que, genericamente, alguns chegam a ministro ou a secretário de Estado. A fidelização partidária é determinante. E sabe-se, também, como há gente convidada para isto e para aquilo, conferências, encontros, seminários, eu sei lá, sem nunca terem deixado uma marca distintiva, através daquilo que escrevem(eram) ou, então, na sequência de uma passagem pela governação. Vem isto a propósito do Professor Doutor David Justino. Um Economista, depois doutorado em Sociologia, que foi ministro da Educação entre 2002/2004 (Durão Barroso) e que, há dias, teve um desabafo partidário, absolutamente deselegante, inapropriado e completamente desenquadrado para quem é professor e foi ministro da Educação. Eu diria que o partido cega!  

Como evitar o desinteresse?
Em uma fase de negociação com os elementos das organizações representativas dos Magistrados, o vice-presidente do PSD, David Justino, disse: "(...) A ministra esteve a negociar quanto é que vai receber quando sair do governo". A Drª Francisca Van Dunem, Jurista, ministra da Justiça e ex-Procuradora-Geral Adjunta, devolveu com uma simples frase: "O autor da afirmação está, seguramente, a julgar outrem à luz dos seus padrões comportamentais". E ficou-se por aí.

Sobre o que declarou, passo à frente. Mas serve para dele eu ter uma leitura política. O Professor David Justino foi ministro dois anos e presidente do Conselho Nacional de Educação, neste caso, não sei bem por que artes. De uma coisa sei eu, é que não deixou, nos dois anos que passou pela pasta da Educação, qualquer registo que mereça ser olhado com respeito e admiração. O esquisito disto, ou talvez não, é que se trata de uma figura muito requisitada, como se não existissem académicos com vasto currículo e professores com pensamento e trabalho científico produzido relativamente ao sistema educativo. Ora, é esta figura que irá estar, uma vez mais, na Região da Madeira, agora, entre os dias 9 e 11 de Maio, no quadro da "Escola do Século XXI", tema do IV Seminário de Educação, promovido pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos. 

Quando li o que se segue, interroguei-me, como pode ser conferencista sobre a Escola do Século XXI um político que defendeu, em Janeiro de 2019, que a Educação deve, repare o leitor, "(...) contrariar o fetichismo tecnológico" e rejeitar a tecnologia como "solução mágica" para tudo, contrapondo que deve continuar "assente em relações humanas". Não bate certo, porque uma coisa, a tecnologia, não é fetiche educativo e não impede a outra, o acto pedagógico, que deve ter sempre o professor como mediador !

Aliás, ainda bem que o disse, porque clarificou o que dele penso e aqui escrevo, quando confessou à plateia, a sua, por vezes, "visão excessivamente conservadora em relação à escola" que o levam a rejeitar soluções disruptivas e utopias". Utopias, questiono? Ainda ontem o Senhor Presidente da República foi claro no discurso do 25 de Abril: "(...) a História faz-se sempre de programas, ideias e de sonhos impossíveis". Portanto, ao contrário do que disse, viva a disrupção, viva o rompimento com o passado.

Perante isto, confesso, tenho dificuldade em perceber o Professor David Justino, enquanto pensador, ele que é assessor do Presidente para os assuntos sociais, mas preocupa-me que venha falar para uma plateia de professores. Espero, no mínimo, que seja igual a si próprio, pois consultando múltiplos registos, as notas dominantes que li são marcadas por afirmações em um determinado sentido e quase o seu contrário em outros momentos. O professor David Justino, julgo eu, ainda é Professor Universitário. Respeito que tenha uma opinião conservadora, desajustada do mundo que estamos a viver e das crianças e jovens que nasceram rodeados de tecnologia, porém, por uma questão de elegância e de respeito pelos seus pares, seja qual for o grau de ensino, nunca deveria assumir, por exemplo, com a precisão de um relógio suíço, que "25% dos professores são excecionais, 60% dos professores são bons e 15% dos professores nunca deviam ter entrado" no sistema de educativo. Os professores que estarão presentes na iniciativa "Escola do Século XXI", deveriam questioná-lo: o Senhor Professor vem falar para quem, para os 15%? É que nos 15%, certamente, estão muitos desajustados com a escola dos Séculos XIX e XX e, por isso mesmo, são considerados maus professores.

Aliás, no programa "Fronteiras XXI", da RTP, transmitido a 04.10.2017, subordinado ao tema "Que Escola Precisamos", no qual participou o Professor Joaquim José de Sousa, da Escola do Curral das Freiras, assisti à diferença de conhecimento prático entre o Professor Doutor David Justino e o Professor Joaquim Sousa, no que concerne ao funcionamento de uma escola do Século XXI. O programa está disponível na RTPPlay. Ora, quem sou eu para tecer considerações sobre as opções dos organizadores, mas tendo, na Madeira, um professor com experiência e resultados, humildemente o digo, que seria de todo muito mais interessante e motivador para uma plateia de professores escutar a voz da experiência sentida e vivida, a tal utopia, o tal direito ao sonho, relativamente a outro que se mostra mais vocacionado para a defesa da escola do passado do que para uma escola portadora de futuro. Aliás, ressalvo, em iniciativas anteriores e mesmo nesta, é justo sublinhar o convite dirigido a figuras de relevantíssima importância na Educação.

Finalmente, são palavras do Professor David Justino: "precisamos de políticos mais qualificados na educação". Concordo. Na Madeira existem vários, embora silenciados. Percebo. Partidariamente, não interessam. Até são perseguidos. Só que a Educação deve dispor de uma visão POLÍTICA e não PARTIDÁRIA. O Professor David Justino que foi militante do Movimento da Esquerda Socialista, "emendou-se", dizem, com humor. Daí que seja o orador de serviço, embora, com toda a certeza, pelas suas posições anteriores, não traga na bagagem nada de substancialmente novo. Se eu estivesse na Madeira, inscrevia-me para escutar o Professor Pepe Menéndez: "(...) O problema do ensino é que é muito aborrecido. Nós mudámos o olhar (...) Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?" Esta é a utopia e a disrupção face às quais o Professor David Justino coloca reticências.
Ilustração: Google Imagens.
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2 comentários:

  1. Mencionar Marcelo como exemplo de algo deu cabo da credibilidade do texto.

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    1. Obrigado pelo seu comentário. Naquele contexto considero que o Professor Marcelo R. Sousa tem razão. Mas essa é a minha leitura, pelo que respeito todas as outras.

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